domingo, 1 de julho de 2018

Sal a gosto


Me perguntaram se eu ficaria mais rico com a publicação do meu primeiro livro individual, eu respondi que não, que, inclusive, eu ficaria mais pobre, uma vez que todos os custos de publicação concorreriam por minha conta e que o meu livro, por não ter aptidão para best-seller comercial, dificilmente se tornaria um sucesso de vendas. Por outro lado, tornar-me-ia maior (mais rico) no sentido empregado por Fernando Pessoa: “não sou do tamanho da minha altura, mas do tamanho que eu enxergo”.
A caixa com os 200 exemplares chegara numa terça-feira (26/06/18) – cada um possuía cento e dezoito páginas e mais de oito anos de gestação. Um bebê idealizado nos mínimos detalhes, da imagem de capa às palavras da contracapa, da epígrafe ao texto de orelha, das notas de rodapé ao formato das letras. Era gratificante a sensação de ter, literalmente, dado a luz, de ter me tornado algo impresso, para além de mim mesmo, um escritor em termos formais, com direito a número de ISBN e registro na Biblioteca Nacional.
O livro é recheado de citações. Faz referência a literatos, filósofos, pensadores sociais, trechos de músicas, filmes, quadros etc.. No texto intitulado “Contraponto”, por exemplo, eu me utilizo de 8 passagens de Keynes, todas devidamente assinaladas nas referências bibliográficas, o que sugere a pesquisa e o estudo como parte do processo criativo da obra. Há textos sobre o amor entre homem e mulher (Os opostos se atraem), sobre o amor entre pai e filho (Primeiros passos), sobre sociologia (Castelo de cartas), sobre memórias de infância (Em direção à torcida), sobre a mentalidade pequeno-burguesa (Layout burguês) , sobre o sistema de um modo geral (A saída), sobre a crise do meio ambiente (Retratos de Midway), sobre as relações de trabalho (O pão nosso de cada dia), sobre a morte (Epitáfio), sobre os dilemas existências (O último blues), enfim, a temática do livro é variada e expõe a intenção do autor de tentar emitir uma “opinião a respeito das coisas”. Na contracapa, fala-se um pouco sobre o contexto histórico dessas ideias: “Vivemos, pois, uma época de transição, uma época ainda sem registro em cartório, por se fazer. A escolha de Donald Trump simboliza, de certa maneira, essa lacuna: um fascista no cargo mais importante da Terra. Uma aposta derivada de uma sensação de deslocamento, de não representação – um boicote à própria política, por assim dizer. Em paralelo a isso, um mundo atualizado a cada minuto através de smartphones, um papa moderno e flexível à frente de uma Igreja Católica antiga e conservadora, homens-bomba se explodindo em nome de causas duvidosas, os Rolling Stones fazendo shows em Cuba... Há um século se construindo a partir do que resta do seu antecessor – a literatura deste livro é profundamente influenciada por esta passagem”.
Para finalizar, um trecho de Fernando Nogueira da Costa, prefaciante da obra: “As personagens são orgânicas, bem construídas, não estereotipadas. Há ações, rápidas e conexas entre si. Os diálogos são naturais e úteis. As cenas ou situações são verossímeis. Dispensa as descrições desnecessárias e sem articulação com a narração. Seu estilo transparece naturalidade e harmonia. Os temas são expressivos da nossa vida comum, presente também em outro lugar. A ironia é sutil. O narrar do Alemão ‘re-vela’, isto é, retira o véu que cobre o extraordinário de nossa vida ordinária”.

domingo, 31 de maio de 2015

Mãos Dadas

Prezados leitores,
o blog Uma Opção para Refletir entrará em recesso. Estou envolvido num projeto de livro que está previsto para terminar em agosto de 2015, logo, em função da necessidade de buscar inspiração, de organizar os poemas (já que o livro é de poesia), de digitá-los, de produzi-los, enfim, em função de estar concentrando esforços neste projeto não tenho conseguido me dedicar corretamente para o blog; além disso, fui pai recentemente e a minha vida familiar também tem me ocupado um pouco mais do que de costume.
Não pretendo encerrar minhas atividades como blogueiro, apenas preciso de um tempo para me reorganizar. No futuro – daqui um mês ou daqui dois anos, não sei – planejo criar um site mais incrementado, com diversas páginas, onde as ideias viriam com mais opções de formatos – vídeos, cartoons, poesias, artigos, crônicas – favorecendo a interatividade com o leitor. Mas, para isso, preciso estudar, tanto Web Designer quanto Ciências Humanas, Literatura e áreas relacionadas.
Estou com alguns livros pendentes de leitura, livros que eu comprei a algum tempo, mas que, pela rotina apertada do dia-a-dia, não pude ler; entre eles, estão, em termos de Literatura, A Náusea, de Jean Paul Sartre, Extensão do Domínio da Luta, Michel Houellebecq, e Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu; em termos de Sociologia, Tudo que é Sólido Desmancha no Ar, de Marshall Berman; e, em termos de Economia, O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty.
Por fim, gostaria de lhes propor uma breve reflexão, extraída do poema Mãos Dadas, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1940 - poema esse que, por um motivo ou por outro, soa muito atual. O poeta, numa perspectiva humanista, adquire uma responsabilidade coletiva diante dos acontecimentos, se torna questionador, atuante e passa a deplorar o fato de as pessoas manterem olhos cerrados para o mundo, a ponto de permitirem a violência – a Segunda Guerra Mundial batia à porta da Europa – então ele diz, como se soubesse o que devia ser feito, não só naquela época, mas também agora: “O presente é tão grande, não nos afastemos/ Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

Até logo,
Diego.

sábado, 23 de maio de 2015

Leituras

A extraordinária
habilidade do poeta Mário Quintana oferece diferentes pontos de vista ao leitor. O sujeito é capaz de ler o poema Emergência
e achá-lo triste, mas, em outra oportunidade, pode parecer-lho realista ou proposital. Os textos clássicos possuem esta capacidade – de se renovarem diante dos olhos de quem os aprecia. Contudo, não é apenas o poema que se modifica, a alma do sujeito também. E é desta troca ou interação que nasce a poesia sentida: aquela que extrapola o texto escrito, confundindo-se com a vida da pessoa humana. Mário Quintana tinha conhecimento de causa, por isto é que não datava os seus poemas; preferia que eles fossem se encontrando sem hora marcada, com qualquer um que os procurasse, “um mistério encanando com outro mistério”.
Pensar a poesia de Mário Quintana é um esforço sem fim. Senti-la então, é mais difícil ainda. Ela aparece como que por encanto e, como que por encanto, desaparece. Os versos deste alegretense me fazem lembrar do Marcelo, o antigo namorado da minha mãe. Ele era metido à escritor... Certa vez estávamos sentados no sofá assistindo televisão quando o Mário Quintana apareceu num comercial e, junto com a sua imagem, a sua voz e o Poeminha do Contra: “Todos estes que aí estão/ Atravancando o meu caminho,/ Eles passarão./ Eu passarinho!”. O texto é de um caráter forte e, apesar de ser pequeno em palavras, é grande em conteúdo. Perguntei ao Marcelo qual era mensagem do poema:
Humildade.
Como assim?
“Eles passarão”, no sentido de querer ser mais (maior) do que os outros; “Eu passarinho”, no sentido de ser pequeno, humilde, igual a todo mundo.
Achei fantástica a interpretação, pois era original. Eu jamais compreendera o texto desta forma e, até então, o Poeminha do Contra possuía, pra mim, um único sentido. “Passarão”, de acordo com a minha lógica, indicava o verbo “passar” no futuro do presente e “passarinho”, no jogo de palavras, representava a liberdade e a eternidade do poeta, em oposição àqueles que deixariam de existir assim que o corpo morresse.
Como se vê, além de permitir uma segunda leitura, o texto clássico possui uma segunda interpretação. Não existe uma lógica na poesia, mas duas, três, que se multiplicam na medida em que se tornam sentimentos.

sábado, 16 de maio de 2015

Bervely Hills dos Pobres

Escrevi este texto em abril de 2011; é uma crítica sobre a situação socioeconômica da cidade de Torres, Rio Grande do Sul. Acredito que muitos municípios brasileiros enfrentam o mesmo problema, por isso reabro o debate. Originalmente a cônica foi publicada com o título “Palco de uma Tragédia Social”.

Torres é conhecida por ser “a mais bela praia gaúcha”, devido ao imenso conjunto de belezas naturais que possui – rio, mar, dunas, lagoa, morros – e, também, devido às maravilhosas casas que margeiam sua orla, fazendo de Torres a “Bervely Hills dos pobres”.
Dos pobres! pois aqui a maioria da população é de baixa renda, os ricos, donos das mansões, são juízes, jogadores de futebol e empresários bem sucedidos que moram nas regiões mais prósperas do estado ou no centro do país, não são torrenses legítimos, são turistas que vem pra cá passar um final de semana – no inverno o bairro dos magnatas mais parece um deserto, por onde só circulam gatos e cachorros perdidos.  No verão, em contrapartida, a população chega a triplicar, passando dos 35 mil habituais para mais de 100 mil habitantes, ou turistas. Logo, como era de se esperar, a oferta de emprego cresce desproporcionalmente, superando a demanda por vagas. É possível escolher onde trabalhar; já fui garçom, atendente comercial e vigilante, no próximo verão pretendo trabalhar como padeiro (para aprender a fazer bolos). É uma pena que esta situação de pleno-emprego se sustente por tão pouco tempo, se invertendo no inverno. Durante os três meses do verão – dezembro, janeiro e fevereiro – o setor privado emprega toda a mão-de-obra disponível, já nos outros nove meses do ano a taxa de investimento se reduz drasticamente, tanto que cada vaga é disputada por pelo menos oito candidatos, sendo que o salário oferecido é o mínimo. Assim, desenvolveu-se em Torres a chamada “cultura do urso”, que diz “absorva no verão a gordura que irá lhe aquecer no inverno”.
A prefeitura municipal seria um dos órgãos capazes de reverter a imensa tragédia socioeconômica - consequência do desemprego - experimentada anualmente pela belíssima praia gaúcha. Mas, de que modo isto seria possível, se, depois de dez anos, o prefeito abre um concurso público oferecendo apenas 80 vagas? Seriam 80 vagas suficientes para absorver dez anos? Obviamente que não. Para absorver os profissionais que se formam semestralmente seriam necessárias 80 vagas anuais. Neste caso, supondo que Torres fosse uma criança de dez anos de idade, faltariam 720 vagas. Os políticos da cidade argumentariam que nenhuma prefeitura do Brasil seria capaz disto. Eu responderia que nenhuma prefeitura do Brasil seria capaz de levar tanto tempo para organizar um concurso.
De qualquer maneira o que mais indigna não são as 80 vagas, mas a forma como elas estão distribuídas. Não há vagas para vigilante, não há vagas para serviços gerais, não há vagas para motorista, não há vagas para servente... será que o município não precisa destes profissionais? Para os professores do ensino fundamental, mais especificamente de História, Ciências, Geografia e Português são ofertadas apenas quatro vagas, uma para cada área. Em compensação, há 60 vagas para professores de educação infantil. Mas, quem cursa a pré-escola não estará, em poucos anos, cursando o ensino básico e, logo em seguida, o médio? Quer dizer, parece não existir um critério na forma de distribuição das vagas. Isto é um indício de fraude. A título de comparação, quando o marido passa a levar o celular para o banheiro, isto significa, na maioria das vezes, que ele não deseja que a sua esposa atenda-o.
E não para aí. Também não há vagas para médico dentista e nem para advogados, sendo que em Torres há uma universidade que forma a cada seis meses mais de uma dezena desses profissionais. Isto é, não existe relação entre políticas públicas, mercado de trabalho e instituições de ensino. Deste modo, a mais bela praia gaúcha vai se tornando um faroeste, onde a expressão “salve-se quem puder” soa forte como um eco.
Sem emprego as pessoas tornam-se marginais; o estudo, que segundo os institutos de pesquisa seria o responsável pelo aumento da renda e das oportunidades de trabalho, em Torres não é suficiente nem para pagar o aluguel. Neste caso, se o indivíduo não possui uma família que o ampare financeiramente, ele se vê diante de três alternativas: ou se torna usuário de crack, matando assim a humilhação sofrida pelo desemprego; ou se torna crente, e passa a vender doces no comércio; ou vai embora daqui. Muitos dos meus amigos foram embora daqui, para cidades como Criciúma, Caxias do Sul e Porto Alegre, onde, bem ou mal, ainda se consegue um estágio.
Estaria Torres condenada ao abandono político?

sábado, 9 de maio de 2015

Político: sinônimo de ladrão

“Na última quarta-feira (16/12/10) a Câmara aprovou um projeto polêmico: o aumento do salário do presidente da República, de seu vice, dos ministros, deputados federais e senadores, de 16 para 27 mil. A votação ocorreu logo após os deputados aprovarem um requerimento para que este projeto tivesse urgência e, assim, saltasse a fila das votações da Casa”, conforme noticiaram os meios de comunicação. Se os parlamentares se mobilizassem com a mesma ligeireza para resolver assuntos de interesse do povo, certamente que viveríamos no melhor dos mundos possíveis. Mas isso não acontece. A classe política brasileira só se mobiliza de verdade para resolver assuntos de seu interesse, quer dizer, pessoais.
É óbvio que toda essa imoralidade também esta relacionada ao descaso do povo, que assiste a tudo de braços cruzados. Se o assunto for futebol ou novela, o povo debate e até se empolga, agora, em se tratando de política, ninguém sabe de nada. No fundo, uma coisa se alimenta da outra.
Mas não é do povo que eu quero falar aqui. É de político sem-vergonha mesmo. O gari, o servente e a auxiliar de cozinha talvez não cheirem tão bem quanto um deputado ou senador, principalmente porque os primeiros trabalham (suam), e os segundos não. Os primeiros trabalham, e trabalham pesado, enquanto os segundos roubam. Os primeiros ganham pra sobreviver, os segundos, pra desfrutar. Os primeiros cheiram a lixo, a suor e a cebola, respectivamente, enquanto os deputados e senadores exalam perfume francês caríssimo. Os primeiros se vestem com trapos, os segundos, com ternos italianos de alta costura. A política oprime o povo, ao invés de servi-lo – a democracia brasileira funciona mal.
É engraçado isso. Um trabalhador ganhar apenas 2% do que ganha um ladrão, é muito engraçado. E o pior de tudo é que essa exploração descarada é legítima, pois é assegurada e garantida pela constituição do nosso país. Quando questionado sobre o reajuste, o senador Eduardo Suplicy, do PT, disse que “o aumento era condizente com a importância do cargo”. Eu concordo com ele. Mas e os professores e os garçons e os caixas de supermercado e os motoristas e os carteiros não merecem ganhar um salário condizente com a importância do cargo? Obviamente que sim. Então porque só os deputados federais, os senadores, os ministros, o presidente e o vice-presidente têm esse direito assegurado na prática? Não deveriam eles primeiro servir ao povo para depois se servirem?
A indignação toma conta da gente, mas ela não se torna protesto efetivo. A nossa revolta se torna alcoolismo, depressão, vaidade... qualquer coisa, menos política. O povo deve expressar a sua revolta de uma forma mais coerente. Não é com a compra de um par de sapatos novos ou com mais um copo de cachaça que o Brasil deixará de ser o que é. Eu sei que é horrível ouvir o discurso de um político, porque ele mente o tempo inteiro; mas, não é por eles que a gente deve participar, é por nós mesmos. Afinal, político é uma coisa e política é outra.