Na produção artística do século XX a explicação
objetiva dos fatos não foi necessariamente uma regra.
Com a intenção de compreender o mundo concreto de uma forma mais intuitiva,
mais surreal e menos lógica (entretanto, sem perder a lucidez), o chamado realismo
fantástico utiliza-se do sonho e dos meandros do subconsciente para
interpretar o homem e a sua complexidade.
1) Em seu quadro, La Reproduction Interdite (1937), René Magritte retrata o homem que olha pro espelho; o homem incompreensível até para si mesmo; o homem duvidoso, inacabado. Embora as coisas possam dar a impressão de serem normais, as possibilidades existenciais e psicológicas são infinitas e revelam o caráter menos objetivo da realidade:
2) O escritor Gabriel García Márquez também explorou profundamente o gênero, em sua obra-prima Cem Anos de Solidão: "Levantava-se
às onze da manhã e se trancava durante duas horas completamente nua no banheiro
[...] jogava água sobre si mesma tirando-a da caixa com uma cuia. Era um ato
tão prolongado, tão meticuloso, tão rico de situações cerimoniais, que quem não
a conhecesse bem poderia pensar que estivesse entregue a uma merecida adoração
do seu próprio corpo [...]. Um dia, quando começava a se banhar, um forasteiro
levantou uma telha do teto e ficou sem respiração diante tremendo espetáculo de sua nudez. Ela viu os olhos aflitos através das telhas quebradas e não teve
nenhuma reação de vergonha, mas sim de preocupação.
- Cuidado - exclamou. - Você vai cair.
- Só quero ver você - murmurou o forasteiro.
- Ah, bem - ela disse. - Mas tenha cuidado
que essas telhas estão quebradas.
O rosto do
forasteiro tinha uma dolorosa expressão de espanto e parecia lutar
surdamente contra os seus impulsos primários, para não dissipar a imagem.
Remedios, a bela, pensou que ele sofria de medo de que as telhas quebrassem e
se banhou mais depressa do que de costume, para que o homem não continuasse em
perigo. Enquanto se jogava água, disse a ele que era um problema que o teto
estivesse naquele estado [...] o forasteiro confundiu aquela conversa com uma
forma de dissimular a complacência, de modo que quando ela começou a se
ensaboar cedeu à tentação de dar um passo adiante.
- Deixe-me
ensaboá-la - murmurou.
- Agradeço a sua boa
intenção - disse ela - mas posso perfeitamente fazê-lo sozinha com as minhas
próprias mãos.
- Só as costas -
suplicou o forasteiro.
- Seria um
desperdício - ela disse. - Nunca se viu ninguém ensaboar as costas.
Depois, enquanto se
enxugava, o forasteiro implorou com os olhos cheios de lágrimas que se
casasse com ele. Ela lhe respondeu sinceramente que nunca se casaria com um
homem tão bobo que perdia quase uma hora, e até ficava sem almoçar,para ver uma
mulher tomando banho. Por fim, quando vestiu a bata, o homem não pode suportar
a comprovação de que realmente não usava nada embaixo, como todo mundo suspeitava,
e se sentiu marcado para sempre com o ferro ardente daquele segredo. Então
arrancou mais duas telhas para se atirar no interior do banheiro.
- É muito alto! -
ela o preveniu assustada. - Você vai se matar!
As telhas
apodrecidas se despedaçaram num estrondo de desastre e o homem mal conseguiu
lançar um grito de terror e fraturou o crânio e morreu sem agonia no chão de
cimento" (págs 224 - 225, Editora Record, 1994).
"Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de inseto" (Kafka, in A Metamorfose).
ResponderExcluir“Havia estado na morte, com efeito, porém havia regressado porque não pôde suportar a solidão” (Gabriel García Márquez, in Cem Anos de Solidão).
ResponderExcluir"As palavras começaram a cair de sua boca como folhas mortas" (William Mclvanney, in As Árvores do Pântano).
ResponderExcluir"E começou o trabalho, e durante um mês estiveram construindo aquele modo de escalada. E afinal ficou pronta a cintilante e vidrina escada de duas mil varas de comprimento, a qual parecia chegar ao mesmo céu e que o sol do meio-dia fazia resplandecer, extraindo-lhe brilhos de todas as cores, de acordo com o vidro refletido. E assim começaram a subida" (Arena, in O Mundo Alucinante).
ResponderExcluirBom dia, Diego! As obras de René Magritte têm figuras impressionantes, tais como os quadros das sereias invertidas, com cabeça e tronco de peixe e pernas humanas.
ResponderExcluirBoa tarde, Ana. Sim, Magritte foi influenciado por diversos estilos. No entanto, apesar da abordagem ilusionista, surreal, insólita ou mesmo impressionista, o pintor sempre se preocupou em pensar a realidade.
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