terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Liberdade do Nosso Tempo

Vivemos na época da libertinagem: nunca nos foi permitida tanta coisa. Basta acessar à internet; lá o indivíduo encontra  tudo, desde blogs de poesias à páginas neonazistas; tudo o que uma cabeça cheia de ideias e desejos é capaz de imaginar.
O problema é que este emaranhado de possibilidades gera confusão. O sujeito, curioso como é, acaba entrando em lugares que não devia, comprometendo assim a moralidade de suas escolhas.
John Stuart Mill, em seu livro Da Liberdade”, abordou o tema, usando como ponto de partida a religião: “Todos os cristãos acreditam serem abençoados os pobres e humildes, e os que sofrem injúrias do mundo; que é mais fácil a um camelo passar pelo olho de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus; que não devem julgar para não serem julgados; que devem amar o próximo como a si mesmos [...]. Não são insinceros quando formulam essas máximas. Crêem nelas, como em geral se crê naquilo que sempre se ouviu louvado e nunca discutido. Contudo, no sentido da crença viva que regula a conduta, crêem nestas doutrinas até o ponto em que usualmente atuam sobre eles. As doutrinas, na sua integridade, são úteis para apedrejar adversários; e entende-se que se deve expô-las (quando possível) como razões para tudo quanto se faz  pensando ser louvável" (págs 47-48, Editora Ibrasa, 1963).
A cantora Sandy, tida como um exemplo de “boa moça”, ao fazer uso do que lhe é permitido, declarou: "É possível ter prazer anal". Segundo a Revista Época (ano 2011, edição 689), "a palavra-chave #sandyfazanal ficou entre os três assuntos mais comentados no Twitter em todo mundo".
O que estamos fazendo com a nossa liberdade?

Hoje bebemos demais,
fumamos demais,
gastamos de forma excessiva,
rimos de menos,
dirigimos rápido demais, nos irritamos facilmente...

Ficamos acordados até tarde,
acordamos cansados demais...

Multiplicamos nossas posses,
mas reduzimos nossos valores...

Falamos demais,
amamos raramente
e odiamos com freqüência...

Esses são tempos de refeições rápidas,
e digestão lenta...

De homens altos
e caráter baixo...

De lucros expressivos
mas relacionamentos rasos...

São dias de viagens rápidas,
fraldas descartáveis
moralidade também descartável,
e pílulas que fazem tudo:
alegrar, aquietar, matar...

(O Paradoxo do Nosso Tempo, Autor Desconhecido).

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Realismo Fantástico

Na produção artística do século XX a explicação objetiva dos fatos não foi necessariamente uma regra. Com a intenção de compreender o mundo concreto de uma forma mais intuitiva, mais surreal e menos lógica (entretanto, sem perder a lucidez), o chamado realismo fantástico utiliza-se do sonho e dos meandros do subconsciente para interpretar o homem e a sua complexidade.

1) Em seu quadro, La Reproduction Interdite (1937), René Magritte retrata o homem que olha pro espelho; o homem incompreensível até para si mesmo; o homem duvidoso, inacabado. Embora as coisas possam dar a impressão de serem normais, as possibilidades existenciais e psicológicas são infinitas e revelam o caráter menos objetivo da realidade:


2) O escritor Gabriel García Márquez também explorou profundamente o gênero, em sua obra-prima Cem Anos de Solidão"Levantava-se às onze da manhã e se trancava durante duas horas completamente nua no banheiro [...] jogava água sobre si mesma tirando-a da caixa com uma cuia. Era um ato tão prolongado, tão meticuloso, tão rico de situações cerimoniais, que quem não a conhecesse bem poderia pensar que estivesse entregue a uma merecida adoração do seu próprio corpo [...]. Um dia, quando começava a se banhar, um forasteiro levantou uma telha do teto e ficou sem respiração diante tremendo espetáculo de sua nudez. Ela viu os olhos aflitos através das telhas quebradas e não teve nenhuma reação de vergonha, mas sim de preocupação.
             - Cuidado - exclamou. - Você vai cair.
             - Só quero ver você - murmurou o forasteiro.
             - Ah, bem - ela disse. - Mas tenha cuidado que essas telhas estão quebradas. 
O rosto do forasteiro tinha uma dolorosa expressão de espanto e parecia lutar surdamente contra os seus impulsos primários, para não dissipar a imagem. Remedios, a bela, pensou que ele sofria de medo de que as telhas quebrassem e se banhou mais depressa do que de costume, para que o homem não continuasse em perigo. Enquanto se jogava água, disse a ele que era um problema que o teto estivesse naquele estado [...] o forasteiro confundiu aquela conversa com uma forma de dissimular a complacência, de modo que quando ela começou a se ensaboar cedeu à tentação de dar um passo adiante.
- Deixe-me ensaboá-la - murmurou.
- Agradeço a sua boa intenção - disse ela - mas posso perfeitamente fazê-lo sozinha com as minhas próprias mãos.
- Só as costas - suplicou o forasteiro.
- Seria um desperdício - ela disse. - Nunca se viu ninguém ensaboar as costas.             
Depois, enquanto se enxugava, o forasteiro implorou com os olhos cheios de lágrimas que se casasse com ele. Ela lhe respondeu sinceramente que nunca se casaria com um homem tão bobo que perdia quase uma hora, e até ficava sem almoçar,para ver uma mulher tomando banho. Por fim, quando vestiu a bata, o homem não pode suportar a comprovação de que realmente não usava nada embaixo, como todo mundo suspeitava, e se sentiu marcado para sempre com o ferro ardente daquele segredo. Então arrancou mais duas telhas para se atirar no interior do banheiro.
- É muito alto! - ela o preveniu assustada. - Você vai se matar!
As telhas apodrecidas se despedaçaram num estrondo de desastre e o homem mal conseguiu lançar um grito de terror e fraturou o crânio e morreu sem agonia no chão de cimento" (págs 224 - 225, Editora Record, 1994).

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Análise de Telas Famosas

O museu é sempre enigmático. As exposições não se comunicam de forma objetiva com o público, o que nos causa uma impressão distante e vaga. “Porque aquele quadro é tão importante?”, “porque esta escultura vale tanto?”, ”o que o autor quis dizer com isto?” – são dúvidas que surgem nas galerias.
Abaixo, quatro obras de quatro mestres da pintura e uma possível interpretação das mesmas.

- A Noiva e o Noivo (Modigliani, 1916)


Os modelos estão sérios, possuem olhos vazios, como se fossem corpos sem alma; a pretensão burguesa é evidente, daí derivam a pompa e o ar de importância do casal; o que a sociedade pensa parecer ser o que existe de mais valioso. O tratamento estilizado das faces é influência do Cubismo.

- Escritório à Noite (Hopper, 1940)




Observa-se aqui o cotidiano do trabalho; a monotonia; a incomunicabilidade entre as pessoas, cada uma mergulhada em seu próprio mundo. O isolamento quebrado apenas pela tensão muda – a mulher aguarda uma ordem, perdida em seus pensamentos. No jogo de luz, Hopper reuniu as luzes natural e artificial.

- Nossa Cidade (Lowry, 1941)











As indústrias dominam a cidade e o fato é sublinhado pelo seu colorido, em contraste com o mundo sombrio dos homens. A poluição é evidente e parece ser um problema.  

- Ciclistas (Iberê Camargo, 1989)


O homem tornou-se um ser estranho. Quem está andando de bicicleta: um casal de pessoas ou um casal de extraterrestres? As cores escuras e o vermelho representam a fúria, a indignação do autor.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Mitos Sociais

Existe por detrás do sujeito comum um tipo psicológico personificado por um mito, isto é, por uma ‘pessoa’ ou ideia que adquiriu força e poder ao longo do tempo e que, por essa força e poder, é imitada em termos comportamentais.
Na civilização pós-industrial (dias de hoje) destacam-se alguns mitos sociais, a saber, o do artista autodestrutivo, o do conto de fadas, o do sonho americano, entre outros. Cada um destes mitos justifica-se, como tal, através de um conjunto de mecanismos – filmes, livros, ídolos, mídia – e se consolidou por meio de um processo histórico.
O mito do artista autodestrutivo, para exemplificar, é uma ideia criada há mais de 200 anos, no alvorecer da Revolução Industrial, sobre como deveriam viver os sonhadores. Para os poetas românticos do século XIX (Rimbaud, Byron), o artista deveria ser, necessariamente, um rebelde e marginal, guiado apenas por suas emoções, insubmisso às regras sociais que regem a vida dos mortais comuns. Foi assim que viveram os pintores da chamada belle époque (Modigliani, Picasso) e os roqueiros da segunda metade do século XX (Keith Richards, Kurt Cobain, Jimi Hendrix). Na análise de uma das mais influentes críticas culturais norte-americanas, Camile Paglia, “estes artistas buscavam inspiração em sua dor e caos interno e tinham medo da banalidade da vida cotidiana, por isso afastavam a realidade, se entorpecendo com álcool e drogas. Era como se empurrassem, a si mesmos, rumo ao despenhadeiro, para finalmente encontrar a benção da extinção da consciência”.
O mito do conto de fadas, por sua vez, encontra fundamentos até mesmo na Bíblia, com a história do pastor de ovelhas que durante sete anos esperou pela sua amada, a filha mais nova de Labão. Passa pelo cinema hollywoodiano (Ghost, Bonequinha de Luxo), pela figura da mulher idealizada (Marilyn Monroe, Sophia Loren), pela mitologia grega (Afrodite), enfim, percorre toda cultura da humanidade, encontrando seu ponto alto na famosa peça shakespeariana, Romeu e Julieta.
O mito do sonho americano é o mais recente. Representa a ideia de conforto, de uma vida materialmente perfeita; passa pela aquisição de um carro, por uma carreira bem sucedida, por uma família de respeito, por um casamento com alguém de nome e de importância perante a sociedade, pelo poder e pelo status. Este mito encontra suas origens nos anos 1920 norte-americanos, época de uma prosperidade material sem precedentes: “em 1919, havia, nos EUA, 6.771.000 automóveis particulares. Em 1929, nada menos de 23.121.000” (Breno Silveira).
Parafraseando J. M. Keynes, uma das mentes mais brilhantes do século XX, "muitas pessoas práticas, que se julgam isentas de qualquer influência intelectual, são, frequentemente, escravas das idéias de alguém já falecido a muito tempo".

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Os Dez Melhores Poemas?

Listas com os dez melhores de todos os tempos são comuns. No entanto, em se tratando de arte, os critérios e as preferências variam de pessoa para pessoa.  Cada um tem a sua lista. Como dizer quais foram as melhores músicas? os melhores livros? os melhores jogadores de futebol? os melhores pilotos de F-1? os melhores pintores? Não dá, cada obra diz uma coisa diferente, possui um estilo diferente, pertence a um contexto diferente. De qualquer forma, na lista dos dez melhores poemas de todos os tempos da literatura universal, produzida pelo Jornal Opção, constam as seguintes textos:

1) O Corvo (Edgar Allan Poe)
2) A Terra Desolada (T. S. Eliot)
3) A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)
4) Tabacaria (Fernando Pessoa)
5) Poema Sujo (Ferreira Gullar)
6) Cântico Negro (José Régio)
7) À Espera dos Bárbaros (Konstantinos Kaváfis)
8) E Então, Que Quereis?... (Maiakóvskis)
9) Os Estatutos do Homem (Thiago de Mello)
10) Hugh Selwyn Mauberly (Ezra Pound)

Muitos se perguntam “onde está Bukowski?”, “onde está Pablo Neruda?”, onde está Gibran?”, “onde, por acaso, está Camões?”. O professor de Literatua da UFPA, Abílio Pacheco, fez o seguinte comentário à respeito: “Parece-me óbvio que limitaram a escolha a poemas (líricos?) isolados. Livros que são um poema (Dante e Goethe, por exemplo) não parecem ter sido aventados pelo ‘júri’. Também não entendi a ausência de poemas em língua espanhola”. Como vocês podem perceber, cada um tem a sua lista.
Encerro com um trecho do poema número nove:

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm o direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem,
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.