quinta-feira, 23 de outubro de 2014

FMI outra vez?

“Não é a Dilma contra o Aécio, não é o PSDB contra o PT, é mais do que isso. O que está em disputa são dois projetos de sociedade. O que era o Brasil antes de 2003?” (p.26). Para responder a esta pergunta, será preciso voltar no tempo, aos anos do “governo FHC”. Pois bem, nesta época, o Brasil era o pior dos mundos possíveis - desemprego em massa, juros altíssimos, arrocho salarial – um cenário que, combinado, nos fazia o país mais desigual do planeta.
E quem diz isso não sou eu, são os números, números de todos os setores da sociedade – economia, saúde, educação, segurança – números que podem ser consultados por qualquer um, nos sites da internet, nos livros de História, nas revistas e nos jornais: i) PIB: R$ 1,48 trilhões em 2002 contra R$ 4,84 trilhões em 2013; ii) PIB per capita: 7,6 mil em 2002 contra 24,1 mil em 2013; iii) Safra Agrícola: 97 milhões de toneladas em 2002 contra 188 milhões em 2013; iv) Investimento Estrangeiro Direto: 16,6 bilhões de dólares em 2002 contra 64 bilhões em 2013; v) Reservas Internacionais: 37 bilhões de dólares em 2002 contra 375,8 bilhões em 2013; vi) Empregos Gerados: 627 mil por ano no governo FHC contra 1,79 milhões por ano no governo Lula e Dilma; vii) Valor de Mercado da Petrobrás: 15,5 bilhões em 2002 contra 104,9 bilhões em 2013; viii) Salário Mínimo: R$ 200,00 (1,42 cestas básicas) em 2002 contra R$ 724,00 (2,24 cestas básicas) em 2013; ix) Posição entre as Economias do Mundo: 13° em 2002 – 7° em 2013; x) Inflação Anual Média: 9,1% nos anos de FHC contra 5,8% nos anos de Lula e Dilma; xi) Taxa de Extrema Pobreza: 15% em 2003 contra 5,2% em 2012; xii) Gastos Públicos em Saúde: 28 bilhões em 2002 contra 106 bilhões em 2013; xiii) Estudantes no Ensino Superior: 583.800 em 2002 contra 1.087.400 em 2012; xiv) Operações da Polícia Federal: 48 durante o governo tucano contra 1.273 durante o governo do PT.
O Brasil, que nos anos de FHC, era o quintal do FMI, com Lula e Dilma, se tornou “dono do próprio nariz”; o Brasil, que nos anos de FHC, possuía o segundo maior exército de desempregados do planeta, com Lula e Dilma se tornou “o país das oportunidades iguais”; o Brasil, que nos anos de FHC, era governado pelos ricos e para os ricos, com Lula e Dilma passou a ser governado por todos e para todos.
Em uma entrevista concedida à revista Carta Capital, Lula disse: “Certa vez, discuti com um cidadão que reclamava porque o Luz para Todos era mais uma política minha para o pobre. Eu lembrei a ele que, quando a gente levava o Luz para Todos, o beneficiado ligava três lâmpadas, comprava uma geladeira e, 80% deles, compravam um televisor. Ou seja, um simples programa chamado Luz para Todos, que levou energia para 15 milhões de brasileiros, resultou na venda de quase 4 milhões de mercadorias. Até empresas multinacionais ganharam muito com esse programa social. Sem contar os empregos criados. Mas, infelizmente, há ainda quem prefira ver indigentes nas ruas em lugar de gente humilde consumindo. É lamentável que um cientista político tão estudado como o Fernando Henrique Cardoso tenha dito aquilo: não é porque são pobres que apoiam o PT e a Dilma, é porque são menos informados" (p.25).
A vitória de Aécio, que é cria de FHC, seria um retorno ao que não deu certo. Fiquei perplexo quando, no dia 20/10/14, após o Datafolha ter apontado que Dilma havia ultrapassado o candidato tucano, o Ibovespa ter registrado uma queda. O Mercado, meus caros, não se importa com a sua saúde, não se importa com a sua educação, não se importa com o seu emprego, o Mercado, meus caros, não se importa com a sua família, não se importa com o Brasil, não se importa com você – é por isso que o sistema financeiro está ouriçado e que o FMI, tão escondidinho até hoje, volta a dar palpites inaceitáveis – o Mercado, meus caros, se chama Aécio.

[Revista Carta Capital. In: Embate entre Dois Projetos Opostos de Brasil. Ano XX, n° 821, 15 de outubro de 2014]

sábado, 18 de outubro de 2014

Tempos mediocres

Vivemos numa época de facilidades. Qualquer pessoa, inclusive um operário, é capaz de comprar um tablet, uma moto, uma passagem de avião ou até mesmo um carro. Em função destas facilidades, o senso comum acredita estar vivendo no melhor dos mundos possíveis, o que é uma grande mentira. Se, por um lado, progredimos absurdamente em termos materiais e tecnológicos, por outro, continuamos estagnados em termos espirituais e humanos, prova disso é a crônica crise existencial do indivíduo, caracterizada pela descrença religiosa e política, e o imenso abismo socioeconômico que separa os povos.
Em outras palavras,vivemos num mundo extremamente defeituoso, bem distante daquele pretendido pela perfeição do cinema romântico. Bukowski sabia disto. Em seu conto intitulado “A morte do pai II” ele nos revela a impressionante mediocridade de nossa época, a derradeira e fatal mediocridade que nos corrói, dos pés à cabeça, sem que desconfiemos de nada: “Minha mãe morrera um ano antes. Uma semana após a morte de meu pai, eu estava na casa dele sozinho [...]. Eu era desconhecido para os vizinhos. O funeral acabara, e eu me dirigi à pia, enchi um copo d’água, bebi-o, depois sai. Sem saber que outra coisa fazer, peguei a mangueira e comecei a aguar os arbustos. Cortinas correram enquanto eu estava parado no gramado da frente. Depois eles começaram a sair de suas casas. Uma mulher veio do outro lado da rua.
- Você é Henry? – ela me perguntou.
Respondi-lhe que era Henry.
- Conhecíamos seu pai há anos.
Aí o marido aproximou-se.
- Conhecemos sua mãe também – ele disse.
Eu me curvei e fechei a mangueira.
- Não querem entrar? – perguntei.
Eles se apresentaram como Tom e Nellie Miller, e entramos em casa.
- Você é a cara do seu pai.
- É, é o que dizem.
Sentamo-nos e ficamos olhando uns para os outros.
- Oh – disse a mulher  -, ele tinha tantos quadros. Devia gostar de quadros.
- É, gostava, né?
- Eu adoro aquele quadro do moinho no pôr do sol.
- Pode ficar com ele.
- Oh, posso?
A campainha tocou. Eram os Gibsons. Eles me disseram que também tinham sido vizinhos de meu pai durante anos.
- Você é a cara do seu pai – disse a Srs. Gibson.
- Henry nos deu o quadro do moinho.
- Isso é ótimo. Eu adoro aquele quadro do cavalo azul.
- Pode ficar com ele, Sra Gibson.
- Oh, não está falando sério.
- Sim, está tudo bem.
A campainha tornou a tocar, e outro casal entrou” (p.171-172).
Por falta do que fazer, as pessoas iam entrando na casa. Mas, ao invés de se compadecerem com o luto, se interessavam pelos objetos materiais, ao invés de se preocuparem em oferecer – um abraço, um consolo, uma palavra amiga – se interessavam pelo que poderiam levar embora.
“- Tem uma torradeira aí, não tem, Henry?
Levaram a torradeira.
- Não precisa dos pratos, precisa?
- Não.
- E da prataria?
- Não.
- E da chaleira e do liquidificador?
- Levem.
Uma das senhoras abriu um armário na varanda dos fundos.
- E todas essas frutas em conserva?”(p.173)
Levaram até as frutas em conserva.

[BUKOWSKI, Charles. Numa Fria. Editora: L&PM Pocket, Porto Alegre, 2013]

domingo, 12 de outubro de 2014

Aécio, o que é democracia?

Aristóteles estava, em parte, errado quando formulou esta premissa: “[...] a faculdade de julgar de um indivíduo está sujeita a corromper-se quando ele é dominado pela cólera ou qualquer outra emoção; contrariamente, é uma tarefa difícil encolerizar um grande número de pessoas e levá-las a errar coletivamente” (p.112). Em parte, pois, sem o domínio de seus sentimentos interiores, o homem, de fato, não raciocina direito, entretanto, quando manipulado pelos meios de comunicação, tanto o indivíduo quanto a coletividade, mesmo com o domínio de seus sentimentos interiores, são induzidos ao erro. Ou seja, como Aristóteles não viveu tempo suficiente para conhecer a televisão, a internet, as revistas, os jornais e todas as outras mídias de massa, não pôde prever, em seus tratados de filosofia, a influência e o peso que estes mecanismos teriam, por exemplo, numa eleição presidencial.
Na última semana, a nação brasileira foi surpreendida pelas denúncias de corrupção envolvendo a Petrobrás. Foi surpreendida, pois, justamente agora, se debate o futuro do país nas urnas. O modo como as denúncias foram feitas despertaram em mim uma certa desconfiança; o denunciador, Paulo Roberto Costa, que foi diretor da Gaspetro durante o governo FHC, revelou detalhes importantíssimos do esquema, inclusive citou nomes, em rede nacional, o que, numa situação de “normalidade”, não aconteceria. Não aconteceria, pois, os corruptos têm medo da morte, têm medo que os seus comparsas os assassinem. Mas, Paulo Roberto Costa, não teve medo e, com suas denúncias mirabolantes, favoreceu o candidato Aécio Neves, do PSDB. Não teria sido esta a intenção do denunciador: a de encolerizar um grande número de pessoas, levando-as a errar coletivamente?
Não é preciso ser nenhum filósofo para perceber que há um “grupo de interesse” tentando manipular o eleitor, tentando jogá-lo contra a presidenta Dilma. Se não é assim, então porque a mídia não fala sobre a falta de água no estado de São Paulo, onde a candidata do PT obteve um dos piores desempenhos no 1° turno? Ora, não se fala disso porque SP é governada por um candidato tucano.
Há um poderoso “grupo de interesse” tentando distorcer a realidade, difundindo a injustiça, corrompendo o eleitorado, assassinando a verdadeira democracia. Aristóteles, se estivesse vivo, ficaria decepcionado – fora Aécio e sua gangue, o Brasil não se engana com vocês!

[ARISTÓTELES. A Política. In: Livro III, capítulo X. Editora: Universidade de Brasília, DF, 1985]

sábado, 4 de outubro de 2014

Aécio, mostra a tua cara!

O tucano Aécio Neves fez o que eu imaginava que ele faria – comportou-se como um “bom moço”, sorriu, foi cordial, procurou não “bater de frente”, usou frases de efeito para impressionar, falou com confiança, comportou-se como se estivesse indo pela primeira vez na casa da sogra, apertou a mão de todo mundo, fez brincadeirinhas, mas não apresentou um projeto de governo.
Dilma possui um projeto de governo, a Marina possui um projeto de governo, a Luciana Genro possui um projeto de governo, mas o Aécio não. Considerando-se que ele pode ganhar as eleições, isto soa assustador, não acha? Pois, se eu não sei quais as reais intenções de um candidato nem o que ele pensa, o que poderei reivindicar depois? E eu não estou me referindo a um projeto detalhado, daqueles que se fazem quando se quer construir um prédio, mas a um projeto parcial, introdutório, sobre as principais questões do país. Aécio, como o senhor vai resolver o problema do baixo crescimento econômico? e o problema da desigualdade social? e o problema da educação? e o problema da violência urbana? e o problema do custo de vida? e o problema da saúde? nos diga alguma coisa que não seja enrolação, nos diga alguma coisa diferente daquela sua famosa frase “vou resolver tudo com otimismo”; Aécio, mostra tua cara!
Quando o sujeito não fala, “não abre o jogo”, a única maneira de saber o que ele pretende é investigando o seu passado, e quando eu olho pro passado do Aécio, sinto uma pulga atrás da orelha. Um cara que se recusa a fazer o teste do bafômetro e que dirige com a CNH vencida é um cara, no mínimo, suspeito. E aquela história de que o Aécio doava metade do salário? Pois é, que legal! Mas fazia isso com qual intenção? com a intenção de fazer propaganda política depois? com a intenção de dizer “vejam, eu sou o novo messias”? Isso não me seduz! quem quer ajudar não o faz com a intenção de tirar proveito! quem se compadece de verdade com os pobres, não voa nem possui jatinho particular!
Aécio pensa que está numa balada noturna – Aécio é um cara popular. Só que o Brasil, meu senhor, precisa de um projeto, e isso ele não tem. Fora!