quarta-feira, 27 de março de 2013

Quem é Você?


No documentário sobre a 
vida de Oscar Niemeyer, intitulado 'A Vida é um Sopro', o próprio Oscar Niemeyer diz, não exatamente com estas palavras, mas com esta mesma essência, que "o pensamento positivo não serve pra nada [é uma merda]; o oposto idem, também o pensamento negativo não serve pra... [é uma merda]; só a realidade é que serve, a realidade boa e má". Não entendi de início, só depois, bem depois, é que as coisas se encaixaram na minha cabeça.
O senso comum acredita muito na positividade como uma forma de vida saudável e, em oposição, na negatividade como uma forma de vida infeliz, associada à depressão e doenças do gênero. É aquela velha história que a Bíblia conta – Deus versus o Diabo – o pensamento dualista, o certo e o errado, o pra trás e o pra frente. Eu sempre desconfiei disto, sempre soube que existiam muito mais do que dois caminhos possíveis e as palavras de Oscar Niemeyer eram 'o sopro', o contraponto que me faltava para matar a charada. Entretanto, não entendi de início, só depois, bem depois.
Numa viagem de ônibus que fiz de Florianópolis à Torres resolvi folhear o livro de crônicas do Juremir Machado da Silva, intitulado 'A Orquídea e o Serial Killer'. (Editora L&PM POCKET, ano 2012). Abri na página 229. 'Nós, os humanos', se chamava a crônica. Comecei a ler. A realidade de Oscar Niemayer transbordava-se: "O que separa o homem das demais espécies? Os otimistas encontraram bonitas respostas para uma questão metafísica: a consciência, a inteligência, a capacidade de produzir arte, a consciência da finitude, a certeza da morte, a crença num ser superior, a fala e até a aptidão para distinguir 183 tipos de cerveja. A mortandade de inocentes provocada por Anders Behring Breivick [o atirador norueguês] sugere outra resposta: a estupidez. Que outro animal mata por ressentimento ou inveja? Que outro bicho executa os semelhantes em massa por não suportar algumas diferenças?".
É isso, não somos nem bons nem maus, somos o que somos, reais, suspeitos, muito suspeitos, criticáveis, uma 'especezinha' para que você entenda bem!

quinta-feira, 21 de março de 2013

Índice de Desenvolvimento Humano

O objetivo da criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Entretanto, é necessário dizer que o IDH não abrange todos os aspectos da ‘felicidade’ das pessoas, nem indica o ‘melhor lugar do mundo para se viver’ (fonte: www.pndu.org.br).

Ao visitar o Museu da Cerveja em Blumenau, recebi 
um panfleto informativo sobre as características das cidades do Vale Europeu. Uma semana depois, quando fiquei sabendo que iria trabalhar em Timbó/ SC, me lembrei do panfleto. Segundo o informativo, Timbó fora classificada pela ONU como a décima melhor cidade do Brasil para se viver. Fui descobrindo o porquê disto aos poucos.
Começa pelo nome do supermercado do lugar, que 
não se chama nem Carrefour nem Big, mas Schütze, com trema no ú. Um nome alemão para uma localidade alemã, o que reforçou a minha idéia de que aquela era uma comunidade vinculada às suas raízes. Lá dentro me interessou uma subdivisão que havia no setor de pães e bolos, uma subdivisão intitulada ‘produtos de segunda linha’, reforçando a idéia de uma ‘boa moral’. O horário de funcionamento também era diferenciado. O Schütze fechava às 21 hs durante os dias comerciais, no sábado às 19 e não abria aos domingos. A título de comparação, em Torres/RS, cidade com os mesmos 35 mil habitantes, os supermercados fecham às 22 hs, inclusive aos sábados, funcionando até às 12 hs aos domingos, às vezes, também, aos feriados. Isso significa que o ‘regime de exploração da mão-de-obra assalariada’ é bem menos intenso em Timbó.
O que pode ser explicado, em parte, pela brutal diferença entre as rendas das regiões. Enquanto Torres produz 11 mil (per capita) anual, Timbó produz 23 mil – uma ‘cidade rica’ é capaz de gerar empregos decentes para seus moradores, a ‘cidade pobre’, por sua vez, além de não gerar todos os empregos necessários, absorve boa parte de sua mão-de-obra assalariada com sub-empregos.
A boa qualidade do comércio se reflete de um modo geral. Há um restaurante que, em horários de almoço, serve buffet livre por 15 reais o quilo. Na minha cidade natal o preço de uma carne comum custa isso, quer dizer, não há uma cultura da exploração ou, se há, ela é amena – a idéia de enriquecer sem trabalhar duro parece não fazer parte dos timboenses.
A boa disposição do povo para ajudar também se nota. Eles são fechados, pouco afetuosos, mas, se você precisa, eles ajudam – frequentemente os desconhecidos me cumprimentam na rua e até param pra conversar comigo.
Para finalizar, a infra-estruturara de saúde e a qualidade do ar que se respira. Só na rua onde eu me instalei encontram-se estabelecimentos médicos de todos os tipos – pele, cardiologia, dentista, laboratorial, do trabalho – além do hospital da cidade. O ar puro, por sua vez, se deve à infinita quantidade de árvores. Por estar dentro de um vale, Timbó dispõe de muitas regiões remotas, onde a ‘civilização não chega’, e que, por isto mesmo, permanecem como regiões de um verde florescente.

[Contra Timbó pode-se citar a mentalidade interiorana: gente que vive num lugar bom, mas que não se importa com o que acontece fora dali].

quarta-feira, 13 de março de 2013

Teoria Literária - Crônica

“Gênero literário muito praticado no Brasil, consistindo num pequeno artigo sobre qualquer assunto, em tom coloquial, procurando estabelecer como leitor uma intimidade afetuosa que o leva a se identificar à matéria exposta”.
[CANDIDO, Antônio. Iniciação à Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2007, p. 110-111]

“Um gênero literário, de prosa, ao qual menos 
importa o assunto, em geral efêmero, do que as qualidades de estilo; menos o fato em si do que o pretexto ou a sugestão que pode oferecer ao escritor para divagações borboleantes e intemporais; menos o material histórico do que a variedade, a finura e a argúcia na apreciação, a graça na análise dos fatos miúdos e sem importância, ou na crítica buliçosa de pessoas”.
[COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 106]

Abaixo segue uma crônica premiada no VI Concurso Literário de Presidente Prudente, em 2012:

     PODE, ARNALDO! (Maurício Fregonesi Falleiros)

            Há muito ela desconfiava das atitudes do marido. Ele, como todo homem, não convencia a mulher com suas desculpas mal improvisadas:
            – Isso são horas, Arnaldo?
            – Desculpa, amorzinho. É que roubaram o carro do Paulão, então eu tive que dar uma carona pra ele.
            – Mas isso é motivo pra chegar às 2 horas da manhã?
            – É que roubaram o meu carro também!
            – Sei...
            – Te juro! Aí eu e o Paulão tivemos que correr atrás do bandido, pegar o carro de volta na marra e só depois eu levei ele embora. Que sufoco...
            – E o carro do Paulão?
            – Ah, ele tem seguro...
            – Mas que aventura, hein? Ó, tem comida em cima do fogão, você esquenta. Eu vou dormir.
            E assim as desculpas se sucediam. Uma pior que a outra. Uma menos convincente que a outra. Mas de uma coisa Agrinalda já tinha se convencido: o marido tinha uma amante. Só faltava descobrir quem era a sirigaita.
            Ela pensou em contratar um desses detetives bem canastrões, mas logo mudou de ideia. Ela não era mulher de pagar detetive para vigiar o marido. Ela própria iria colar no safado.
            Em um dia aparentemente normal, uma quarta-feira qualquer, Agrinalda estacionou o carro a uma quadra do trabalho de Arnaldo. Esperou ele sair e, com muita discrição, saiu no encalço do marido. Hoje era dia de festinha, ele não tomara o rumo de casa.
            Pouco depois Arnaldo chegou ao destino. Aquela casa não era estranha para ela. Quando a anfitriã botou a cara na rua, tudo ficou claro:
            – A amante dele é a Suzy, a minha manicure? Eu não acredito. É traição dupla!
            Agrinalda abaixou-se no banco do carro para não ser vista e se pôs a pensar. O que ela faria? Desceria do carro e das tamancas? Daria na cara dos gaiatos e pediria o divórcio no meio da rua? Voltaria para casa e colocaria o marido contra a parede?
            No final das contas não fez nada disso. Preferiu voltar para casa e deixar tudo como estava. Ninguém arrancava aquelas terríveis cutículas dos seus pés como a Suzy.
            Esperou o casal entrar e foi embora. Tinha horário marcado na sexta.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Qual a sua Dúvida?


Eu fui descobrindo 
o que eu queria ser, ninguém me disse. Eu ia pegando cada palavra, cada olhar, cada moeda de troco que me davam e fui montando a minha fortuna.
(Essa é só uma parte da história). O fato é que eu sempre tive sérias dúvidas a respeito de quem eu era e, o que é pior, eu sempre tive sérias dúvidas sobre quem eu queria ser. Seria isto um erro? uma falha de caráter? uma doença psicológica? Eu nunca soube, a dúvida é eterna, a gente só descobre um pouco.
E foi justamente neste pouco que eu me apoiei. Afinal, uma pista é melhor do que nenhuma. Este é o segredo: juntar grãos de areia e inventar, o máximo que a imaginação permitir. Foi assim que viveram todas as pessoas que, de um jeito ou de outro, sobreviveram à seleção natural, dos primórdios até os dias de hoje.
Não existe outra fórmula. Os poetas fazem poesia, tentando romantizar, os excluídos assaltam, os políticos mentem, os padres alimentam ideias malucas, sobre um lugar póstumo, as mulheres se apaixonam, as crianças se apaixonam, nada é novidade, tudo é do mesmo jeito a muitos anos, a milhares de anos, não é romântico, é real, Olhe o jovem. Seus pais, que são médicos, o incentivaram a cursar medicina, ele se revoltou, mas poderia ter acatado, é isso: ele não tinha certeza de nada, fez o que podia fazer, usou o segredo.
Algumas coisas você faz porque todo mundo faz, também é assim. Mas chega um momento em que isso acaba e você passa a ter que fazer as coisas por vontade e decisão própria. Não há outra possibilidade: ou você rompe a casca do ovo ou morre sufocado.
"Há, porém, uma coisa, ó Venerabilíssimo, que despertou em mim especial atenção, logo que conheci a tua doutrina. Nela tudo fica completamente claro. Tudo é demonstrado. Tu mostras o mundo sobre a forma de uma corrente perfeita, jamais interrompida, composta de causas e efeitos. Nunca, em parte alguma, isso se percebeu com tamanha nitidez, nem tampouco foi exposto tão irrefutavelmente. Esse cosmo que forma um conjunto inteiriço, sem lacunas, límpido como cristal, não depende nem do acaso nem dos deuses. Se o mundo é bom ou mal, se a vida em seus confins é sofrimento ou prazer, essa pergunta pode permanecer sem resposta. Pode até ser que isto tenha pouca importância. Mas a unidade, o nexo existente entre todos os acontecimentos, o fato de todas as coisas, tanto as grandes como as pequenas, estarem incluídas no mesmo decorrer, na mesma lei das causas, no mesmo nascimento e morte, tudo isso, ó Venerabilíssimo, é um mérito indiscutível da tua doutrina. Entretanto, nesta mesma doutrina, há um lugar onde tal unidade e lógica das coisas está interrompida. Por uma pequena lacuna penetra na unidade da vida um elemento estranho: refiro-me à tua tese acerca da possibilidade de superarmos o mundo e alcançarmos a redenção. Me desculpe contestá-lo, mas não nos é dado saber o segredo daquela experiência que tivestes antes de atingir o ápice. Por isso, hei de prosseguir sozinho na minha peregrinação, não para ir à procura de outra doutrina melhor, já que sei muito bem que não há nenhuma, senão para me separar de quaisquer doutrinas e mestres, a fim de que eu possa alcançar sozinho meu destino ou então morrer".

[HESSE, Hermann. In: Sidarta. Editora: Civilização Brasileira, 12° Edição, 1974, pág.s 28-30, com adaptações]