segunda-feira, 31 de março de 2014

Mediocridade Humana

Pra mim, medíocre é o sujeito que passa a sua vida inteira perseguindo o chamado “sonho americano”. Ou seja: posição social, carro do ano, viagens ao exterior, família de nome, casa própria, dinheiro no banco, enfim, uma vida que, aos olhos da sociedade, é perfeita.
Não há nada de errado com isto, você deve estar se perguntando, e, de fato, não há. É justamente este tipo de orientação que a gente recebe todo dia – na tevê, em casa, na internet, na rua, nas escolas - o mundo diz “seja o melhor, seja o número 1”, e o sujeito, hipnotizado, vai lá e segue à risca o ditado. Faz isso porque é comum, porque é aceito, porque é “correto”, faz isso pra não ser excluído do tecido social, pra “ser alguém”. O problema é que a pessoa deixa de perceber à sua volta – não me importa se os outros estão bem, desde que o meu “sonho americano” esteja bem.
O desenho dos Simpsons é um bom exemplo disto. O cartunista norte-americano, Matt Groening, idealizador da série, ao ser questionado sobre o porquê de seus personagens serem tão neuróticos, esquisitos e alienados e, paradoxalmente, tão normais, respondeu:
- É divertido rir de americanos estúpidos.
A mediocridade é isso: gente sonhando com a plástica do nariz, gente sonhando com a viagem à Nova York, com a piscina de 10 mil litros...

“Não é preciso muito esforço para notar de que é feito o cotidiano de um indivíduo socioeconomicamente privilegiado. Os assuntos da vida privada são, de longe, os que dominam qualquer tipo de preocupação. No entanto, o cuidado, excessivo com o bem-estar não apenas realimenta a cultura do alheamento como reduplica-se em irresponsabilidade para consigo. A rede de atendimento aos `famintos de felicidade´ tornou-se um negócio rendoso, e os usuários, para mantê-la exigem mais exploração dos que já são superexplorados. Quem vive permanentemente na infelicidade não pode olhar o outro como alguém com quem possa ou deva preocupar-se. O sentimento íntimo de quem padece é de que o mundo lhe deve alguma coisa e não de que ele deva qualquer coisa ao mundo. O `comércio da felicidade´ é orquestrado de tal modo que o sentimento de deficiência, escassez ou privação pede sempre mais dinheiro e mais atenção para consigo, como meio de evitar a presença avassaladora das frustrações emocionais”.

[JURANDIR, Freire. A ética democrática e seus inimigos – o lado privado da violência pública. In: Ari Roitman (Org.). O Desafio Ético, 2000, p.83-4 (com adaptações)]

domingo, 23 de março de 2014

Todos contra Todos?

Vivemos em sociedade. Portanto, não somos indivíduos isolados, mas em relação, uns com os outros. Esta relação se dá através das instituições – Igreja, escola, família, governo, indústria, comércio. E todas estas instituições derivam da natureza humana? Depende do ponto de vista.
Thomas Hobbes acreditava que sim. Em sua obra, intitulada “Leviatã”, o filósofo faz uma análise completa do mundo em que vivemos, partindo do princípio de que tudo deriva do homem. Hobbes começa falando de uma suposta igualdade de forças: “[...] a natureza dos homens é tal que, embora sejam capazes de reconhecer em muitos outros maior inteligência, maior eloqüência ou maior saber, dificilmente acreditam que haja muitos tão sábios como eles próprios; porque vêem sua própria sabedoria bem de perto, e a dos outros homens à distância. Mas isto prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não que sejam desiguais. Pois geralmente não há sinal mais claro de uma distribuição eqüitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com a parte que lhes coube”. Ou seja, a milhares de anos atrás, quando os homens eram selvagens (macacos) e disputavam a vida com leões e crocodilos, descobriram que, em conjunto, eram mais fortes e importantes que os selvagens das outras espécies e que, por este motivo, deveriam se reunir em sociedade. E assim foi feito. Então, a ameaça que antes vinha dos leões e crocodilos, agora passa a vir dos próprios homens: “Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos”. Em outras palavras, mesmo se organizando em sociedade para escapar dos perigos da selva, o serumano continuou competindo – não há paz, a guerra de todos contra todos é permanente: “E contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação; isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessário para chegar ao momento em que não veja qualquer outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo. E isto não é mais do que sua própria conservação exige, conforme é geralmente admitido. [...] os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário,um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito”.
Em resumo, a seleção natural das espécies fez do homem o seu animal por excelência. Então, percebendo que a aproximação era melhor do que o isolamento, o homem fundou a sociedade, não por amor ao próximo ou alegria, mas por instinto mesmo, por necessidade de escapar à morte violenta. E, sendo também violento em relação aos seus semelhantes, o homem fundou as instituições, estas, por sua vez, definiram as leis, que hoje nos regem.

[HOBBES, Thomas. Leviatã. Capítulo XIII – Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria]

sábado, 15 de março de 2014

Contraponto na Música Brasileira

Ao escutar a música “Rio de Janeiro City”, da simbólica banda “Joelho de Porco”, logo me recorreu, em contraponto, outra música, “Samba do Avião”, do maestro Tom Jobim.
A primeira inspirou-se na segunda. Mas não a copiou, pelo contrário, inverteu-a. Enquanto “Samba do Avião”, um dos clássicos da MPB, cultua e enaltece as belezas da “cidade maravilhosa”, “Rio de Janeiro City”, um dos clássicos do rock paulista, desconstrói esta “imagem perfeitinha” – são exemplos dos diferentes pontos de vista que a arte é capaz de oferecer ao observador.
Tom Jobim cita referências cariocas – o aeroporto do Galeão, a praia de Copacabana, o Cristo Redentor, a vista da Baía de Guanabara, a morena, o samba – enfim, procura criar uma sensação agradável, deixa hipnotizar-se pelo que é belo, ouça:


O Joelho de Porco, por sua vez, cita outras referências – o bang-bang, a “humanidade impossível”, os edifícios encobrindo a paisagem, mulheres feias, miséria – enfim, faz uma crítica, um deboche, procura criar uma sensação desagradável, ouça:


Qual das duas interpretações é a melhor? qual das duas é a mais verdadeira? Não sei. Pra mim, uma completa a outra - viva a música brasileira! viva a diversidade de idéias!

sábado, 8 de março de 2014

Deus não possui religião

Um homem liga para o “sac celestial”:
- Se você tem religião, digite 1. Caso ainda não tenha, digite 2.
- Clic! (1)
- Se você é espírita, digite 1; candomblecista, 2; hindu, 3; budista, 4; taoista, 5; zoroastra, 6; muçulmano, 7; judeu, 8; sique, 9; cristão, 10...
- Clic! (10)
- Se você é protestante, digite 1; luterano, 2; amish, 3; batista, 4; presbiteriano, 5; menonita, 6; metodista, 7; adventista, 8; mórmon, 9; católico, 10...
- Clic! (10)
- Se você é católico apostólico romano, digite 1; católico apostólico carismático, 2; anglicano, 3; ortodoxo, 4...

Se Deus não é religião, então“[...] o que é Deus? Perguntei à terra, e ela me disse: ‘Eu não sou Deus’. E tudo o que nela existe me respondeu o mesmo. Perguntei ao mar, aos abismos e aos répteis viventes, e eles me responderam: ‘Não somos teu Deus; busca-o acima de nós’. Perguntei aos ventos que sopram; e todo o ar, com seus habitantes, me disse: ‘Anaxímenes está enganado eu não sou Deus’. Perguntei ao céu, ao sol, à luz e às estrelas. ‘Tampouco somos o Deus a quem procuras’ – me responderam.
Disse então à todas as coisas que meu corpo percebe: ‘Dizei-me algo de meu Deus; já que não sois Deus; dizei-me alguma coisa dele’ – e todas exclamaram em coro: ‘Ele nos criou’ – Minha pergunta era meu olhar, e sua resposta a sua beleza.
Dirigi-me, então, a mim mesmo, e perguntei: ‘E tu, quem és?’ – e respondi: ‘Um homem’. Para me servirem, tenho um corpo e uma alma: aquele exterior, esta interior. Por qual deles deverei perguntar pelo meu Deus, a quem já havia procurado com o corpo desde a terra até o céu, até onde pude enviar os raios de meu olhar como mensageiros? Melhor, sem dúvida, é a parte interior de mim mesmo”.


[AGOSTINHO, Santo. Confissões. In: Quem é Deus? Capítulo VI, livro décimo]

domingo, 2 de março de 2014

Matrimônio: ontem e hoje

O matrimônio é uma instituição bíblica e, geralmente, desdobra-se em uma outra instituição, a família, que, na sociedade, é a responsável pelo provimento do afeto.
O amor, portanto, deveria ser a base ou o “sentimento propulsor” do casamento, pois desta relação nasceriam os filhos, depois os netos, os bisnetos; os irmãos do pai e da mãe se tornariam tios; o pai e a mãe, com o nascimento dos netos, se tornariam avós, enfim, haveria uma família, enraizada na sociedade – na política, na religião, no mercado de trabalho -, formando a sociedade. Quer dizer, se o relacionamento entre o homem e a mulher, que deu origem à prole, não se fundamentasse no amor, os filhos, os netos e os bisnetos teriam se desenvolvido com um “déficit de afeto” e, por conseqüência, a sociedade seria um lugar mais sério e menos carinhoso.
Antigamente era comum a prática do casamento arranjado. “No Brasil, por exemplo, essas tradições foram implantadas desde os primeiros tempos coloniais, seguindo as mesmas regras do modelo social português católico, que regeu os valores e costumes da colônia durante séculos. Embora os grupos familiares fossem dispersos, a instituição familiar firmou-se no Brasil tendo como base o casamento, a priori realizado entre grupos de convívio ou parentelas, para não dispersarem o patrimônio adquirido”.
Em outras palavras, casava-se por dinheiro e por status. Hoje, felizmente, os tempos são outros. Cresce o número de mães solteiras e de filhos órfãos; a liberdade sexual e comportamental reduziu drasticamente o número de matrimônios; já não existe aquela pressão por parte de família, obrigando à união – os tempos mudaram.
Mudaram na superfície, porque na essência sempre foram assim: “Contrariando esses ideais, os homens que vieram povoar a colônia deitavam-se constantemente com as mulheres nativas e negras, comprovando que as práticas da irracionalidade do instinto se contrapunham à irracionalidade das normas”.


[Artigo de Maria Beatriz Nader, publicado na Revista História Viva, número 119, em setembro de 2013]