Ele não usa computador, mas já ultrapassou 900 fãs no
Facebook. Não tem telefone, mas se comunica muito bem. Não cumpre horários, mas
andou tentando vender um relógio dia desses. Acha ‘pouco’ se candidatar a
vereador, mas desconhece a Dilma. Não tem um tostão furado, mas gosta de
escolher marcas de chocolate e de roupa, como botas Timberland, calças Ellus de
couro e uns casacos de nobuck com pele para enfrentar o inverno que vem aí.
Fala de ‘probleminhas’ com a polícia, mas brigadianos descem de um carro só
para cumprimenta-lo. Deixou a escola há anos, mas sabe palavras em inglês e, a
seu modo, se mantém conectado com o que acontece no mundo, como o meteoro que
caiu na Rússia. Tem dúvidas se Deus criou o universo, mas traz o nome de Jesus.
Tantas contradições carrega um popular morador de rua da
Bela Vista, um dos bairros mais nobres de Porto Alegre – o Jesus da Nilo,
referência à mais importante avenida da região. Mas por que, entre 11 mil
habitantes, em um bairro marcado por revendas de carro luxuosas, sofisticadas
casas de móveis, condomínios residenciais e prédios de escritório de alto
padrão, cujo crescimento foi puxado pelo Iguatemi a 30 anos, fui conversar logo
com ele?
Porque as histórias que a anos rodam no bairro mereciam explicação.
Porque Porto Alegre merecia conhecer a simpatia e a popularidade de Jesus, este
homem mirado, magro, com poucos dentes na boca e olhos claros, que não para de
conversar e sorrir para quem passa pelas imediações da Nilo Peçanha com a João
Walling.
Jesus, hoje às vésperas de completar 47 anos, foi muito
maltratado pela vida, mas não aparenta raiva alguma dela. Contam que ele morou
no Menino Deus ao lado de duas irmãs e um irmão, e que teria sido aluno do
Anchieta e cursado Medicina – o que Jorge Luiz (seu nome verdadeiro; o
sobrenome ele não revela) nega. Certo é que um maremoto familiar provocou a
brusca guinada.
Foi em fevereiro de 1992, quando morreu, ao lado dele, sua
mãe, Maria Joana – o pai, Francisco Laerte, já era falecido. No mesmo dia, o então
funcionário da associação dos servidores da Caixa Econômica Federal teria sido
abandonado pela mulher, que levou junto os filhos, Diogo e Renata.
- Tive família e um trabalho que amava por 10 dez anos – relembra
Jesus.
- Quando tudo se concretizou, acabou de uma maneira trágica
e aí fiz a opção de descer para conhecer a miséria, que me proporcionou força
de viver. Poucos têm coragem não só de conhecer o céu, mas também o inferno.
Nem sei se vou para o céu, não tenho certeza de minha missão. Alguém tem que
salvar o mundo, mas, com certeza, não serei eu.
[Zero Hora, terça-feira,
26 de março de 2013].