Em seu célebre ensaio sociológico intitulado 'Tudo que é Sólido Desmancha no Ar', o filósofo Marshall Berman analisa os 'sentidos possíveis da modernidade' a partir de leituras clássicas, como por exemplo, Baudelaire, Karl Marx, Goethe, entre outros, e da leitura de ambientes institucionais, tais como, pequenas
cidades, represas e usinas de força, bulevares parisienses de Haussmann etc. Em
uma de suas passagens o escritor nova-iorquino cita Shakespeare: “Para Lear a verdade nua é aquilo que o homem
é forçado a enfrentar quando perdeu tudo que os outros homens podem tirar-lhe,
exceto a própria vida. Vemos sua família voraz, impelida apenas pela vaidade
cega, rasgar seu véu sentimental. Despido não só de poder político mas de
qualquer vestígio de dignidade humana, ele é arremessado porta afora, no
meio da noite, sob uma tempestade torrencial e aterradora. A isso, afinal, diz
ele, é conduzida uma vida humana: o pobre e solitário abandonado no frio,
enquanto os brutos e sórdidos desfrutam o calor que o poder pode proporcionar.
Tal conhecimento parece demasiado para nós: ‘A natureza humana não pode suportar/
A aflição nem o medo.’ Porém, Lear não se verga às rajadas da tormenta nem foge
delas; em vez disso, expõe-se à inteira fúria da tempestade, olha-a de frente e
se afirma contra ela, ao passo que é arremessado e vergastado. Enquanto vaga na
companhia do bobo (ato I I I, cena 4), eles encontram Edgar, desprezado como um
mendigo louco, completamente nu, aparentemente ainda mais desventurado do que
ele. ‘Será o homem nada mais que isso?’ – pergunta Lear. ‘Tu és a própria
coisa: o homem desacomodado... ‘Então, no clímax da peça, ele rasga seu manto
real – ‘Fora, fora, seus trastes imprestáveis’ – e se junta ao ‘pobre Kente’ em
autêntica nudez. Esse gesto, que Lear acredita tê-lo lançado no patamar mais
baixo da existência – ‘um pobre, descalço e desgraçado animal – vem a ser,
ironicamente, o primeiro passo na direção da humanidade plena, porque, pela
primeira vez, ele reconhece a conexão entre ele mesmo e o outro ser humano.”
(p. 131-132)
quinta-feira, 26 de julho de 2012
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Economia Ideológica
Mesmo quando compartilham a mesma visão de como
a economia funciona, os economistas com frequência divergem quanto ao peso que
se deve atribuir aos diferentes objetivos. “Em
macroeconomia, por exemplo, alguns economistas desejam reduzir a desigualdade
de renda mesmo que alguns dos meios necessários para alcançar essa meta, como a
elevação dos impostos, tenham efeitos adversos sobre a atividade agregada.
Outros acreditam que se deve aceitar essa desigualdade de renda e que é mais
importante ter um alto nível de atividade agregada. Alguns economistas atribuem
um peso maior ao combate às altas taxas de desemprego do que à luta contra a
inflação, porque encaram o desemprego como um grande mal social. Outros, porém,
acham mais importante combater a inflação, que consideram mais perigosa para a
sociedade. Em geral estas discordâncias correspondem à divergências políticas.”
(p.13-23)
O que determina o rumo da política
macroeconômica e, consequentemente, o destino de uma sociedade é, portanto, o
argumento. O instrumental matemático, neste caso, seria relevante, uma vez que
os números transmitem uma ‘verdade exata’. Influenciado por estas tendências,
A. W. Phillips, em 1958, construiu um gráfico estatístico que estabelecia uma
‘relação inversa não linear’ entre os níveis de emprego e as taxas de inflação:
“Do
ponto de vista da política econômica, a Curva de Phillips mostra que em muitos
casos a redução do desemprego implica elevação dos salários monetários e,
portanto, inflação; ou, ao contrário, uma política de combate a inflação
(redução dos salários monetários) significa aumento da taxa de desemprego. Essa
‘concepção mecanicista’ da economia, ainda que antiga e posteriormente refutada
pelos fatos, é muito tradicional. Muitas vezes ouvimos dizer que ‘se os juros
diminuem, a economia aquece’ ou ‘se o câmbio se desvaloriza, as exportações
aumentam’ ou, como supõe Phillips, ‘se o desemprego cai, a inflação sobe’.”
(p.17)
Eu, particularmente, prefiro entender a
economia a partir da chamada ‘estrutura de poder’. Ou seja, prefiro pensar que
não existe uma lei geral ou uma lógica exata para se decidir qual o objetivo
macroeconômico mais importante para a sociedade; penso que esta decisão esta,
antes de tudo, relacionada a um jogo de interesses: quanto menor for o salário,
maior será o lucro; uma taxa de juros elevada favorece os negócios do
banqueiro; por meio da inflação (emissão monetária) os governantes podem
confiscar parte importante da riqueza de seus cidadãos...
[Referência bibliográfica: LUQUE, Carlos
Antônio; SCHOR, Sílvia Maria. Teoria Macroeconômica: Evolução e Situação Atual.
In: Manual de Macroeconomia. (com adaptações)]
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Estrutura de Poder
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Modelo de Solow
A materialidade é algo recente. Se a gente for
analisar, ela tem cem anos, talvez menos. O carro popular, por exemplo, é uma
idéia norte-americana dos anos 1920. A televisão, o DVD, a geladeira, o
microondas, o computador, todas estas coisas pertencem à contemporaneidade. E é
justamente a produção desta parafernália que faz a economia crescer. “Mesmo na Revolução Industrial as taxas de crescimento não eram altas
pelos padrões atuais. Para se ter idéia, de 1820 a 1950 a taxa global de
crescimento do produto per capita foi de apenas 1,5% a. a. O elevado nível de
atividade, portanto, é recente. Mas, o que determina
este fenômeno? Para pensar esta questão e respondê-la, os economistas utilizam
a metodologia desenvolvida originalmente por Robert Solow, no final da década
de 1950, quando as taxas de crescimento global eram elevadíssimas. O Modelo de Solow
sugere, de um modo simplificado, que o crescimento do PIB é uma função ou
depende do incremento de dois fatores, a saber, capital (máquinas, recursos
financeiros) e trabalho. Ou seja, dobrando o número de trabalhadores e a
quantidade de capital, é razoável supor que o PIB também dobrará. Mas, na
prática, o planeta já esta superpopulado e os recursos naturais já não são
abundantes, logo, o crescimento da economia não pode depender exclusivamente da
duplicação dos fatores produtivos citados. A pergunta, neste caso, deve ser
feita de outra maneira: de que modo aumentar a produtividade de capital e
trabalho sem necessariamente ter de dobrá-los? A resposta depende do ‘estado de tecnologia’. Imagine, por
exemplo, um grupo de secretariado, formado por um dado n° de secretárias. Pense
na tecnologia como computadores. A introdução do primeiro computador aumentaria
de maneira substancial a produtividade do grupo, uma vez que as tarefas mais
demoradas passariam a ser feitas automaticamente pela máquina. Assim, Solow
demonstrou que avanços qualitativos no ritmo de progresso tecnológico contribuem mais para o crescimento econômico do que meros aumentos quantitativos dos capitais e/ou da
força trabalho” (p.205-221).
[BLANCHARD, Oliver. Macroeconomia. Editora Pearson, SP, 5° ed., (adaptado)]
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quinta-feira, 5 de julho de 2012
O Papel do Estado no Sistema Econômico
O pensamento hegemônico, até 1929, cria na chamada
concorrência perfeita. Este modelo fundamentava-s na ideia de que o mercado
satisfizesse algumas condições, tais como: existência de grande número de
ofertantes e demandantes; nenhuma firma é capaz de crescer a ponto de dominar
por inteiro o mercado; homogeneidade de produtos, ou seja, não fazia diferença
comprar de um de outro vendedor; a totalidade dos demandantes e dos ofertantes
possui completa noção dos preços e disponibilidades do mercado local e de
outras praças; qualquer indivíduo, que tenha o mínimo fundamental de visão
empreendedora, pode montar seu negócio e ganhar seu dinheiro, pois não existem
barreiras à livre movimentação dos fatores de produção e dos empresários.
Assim, cada produtor operaria com a mais alta taxa de eficiência, seu produto
teria o mais baixo custo e seu lucro seria o mínimo necessário para manter o
também necessário número mínimo de produtores. Todo este arranjo se encaixaria
ao natural, sem que o Estado precisasse intervir no jogo; como se uma
mão invisível conduzisse os agentes à otimização de suas potencialidades,
gerando a bonança privada e, como desdobramento desta, o tão desejado bem-estar
social.
Com o desenvolvimento das grandes companhias e do consumo de massa, e, principalmente, depois da grave crise econômica de 1929, se
observou que, não apenas a teoria da concorrência perfeita, como
também uma infinidade de outras teorias irmãs desta, não se relacionavam com a
realidade. Logo, tudo foi repensado. “Descobriu-se”, por exemplo, que o mercado
possuía falhas. As falhas de mercado são fenômenos que impedem a
economia de alcançar o ótimo de Pareto, ou seja, o estado
do bem-estar social através do livre mercado. Algo simples, mas
que fora ignorado: uma fábrica que polui o ar afeta a comunidade local, e isto
não se corrige por si só. É preciso que o Estado, através de um regimento
ambiental e da cobrança de taxas, reoriente o comportamento desta fábrica, no sentido
de não prejudicar a comunidade próxima. Assim, com as evidências escancaradas
da realidade, foi-se descobrindo que o governo possuía um papel importante
dentro da teoria econômica. Mas, qual deve ser o grau de intervenção
do Estado no processo econômico?
Para os liberais seria o mínimo; para os marxistas, o
Estado é um comitê a favor da classe dominante; os institucionalistas têm uma
terceira opinião; os keyneisianos uma quarta. De acordo com a
concepção estruturalista de Celso Furtado, “o crescimento econômico
pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças do mercado, mas o
desenvolvimento social (bem-estar da coletividade) é fruto de uma ação política
deliberada. Se as forças sociais dominantes são incapazes de promover esta
política, o desenvolvimento se inviabiliza ou assume formas bastardas. Em
outras palavras, a importância do papel do Estado varia com grau de
desenvolvimento do país e com as circunstâncias históricas”.
[Trecho extraído do livro “Conversas com Economistas
Brasileiros I” páginas 64-65 (com adaptações)].
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