quinta-feira, 26 de julho de 2012

A Verdade Nua

Em seu célebre ensaio sociológico intitulado 'Tudo que é Sólido Desmancha no Ar', o filósofo Marshall Berman analisa os 'sentidos possíveis da modernidade' a partir de leituras clássicas, como por exemplo, Baudelaire, Karl Marx, Goethe, entre outros, e da leitura de ambientes institucionais, tais como, pequenas cidades, represas e usinas de força, bulevares parisienses de Haussmann etc. Em uma de suas passagens o escritor nova-iorquino cita Shakespeare: “Para Lear a verdade nua é aquilo que o homem é forçado a enfrentar quando perdeu tudo que os outros homens podem tirar-lhe, exceto a própria vida. Vemos sua família voraz, impelida apenas pela vaidade cega, rasgar seu véu sentimental. Despido não só de poder político mas de qualquer vestígio de  dignidade humana, ele é arremessado porta afora, no meio da noite, sob uma tempestade torrencial e aterradora. A isso, afinal, diz ele, é conduzida uma vida humana: o pobre e solitário abandonado no frio, enquanto os brutos e sórdidos desfrutam o calor que o poder pode proporcionar. Tal conhecimento parece demasiado para nós: ‘A natureza humana não pode suportar/ A aflição nem o medo.’ Porém, Lear não se verga às rajadas da tormenta nem foge delas; em vez disso, expõe-se à inteira fúria da tempestade, olha-a de frente e se afirma contra ela, ao passo que é arremessado e vergastado. Enquanto vaga na companhia do bobo (ato I I I, cena 4), eles encontram Edgar, desprezado como um mendigo louco, completamente nu, aparentemente ainda mais desventurado do que ele. ‘Será o homem nada mais que isso?’ – pergunta Lear. ‘Tu és a própria coisa: o homem desacomodado... ‘Então, no clímax da peça, ele rasga seu manto real – ‘Fora, fora, seus trastes imprestáveis’ – e se junta ao ‘pobre Kente’ em autêntica nudez. Esse gesto, que Lear acredita tê-lo lançado no patamar mais baixo da existência – ‘um pobre, descalço e desgraçado animal – vem a ser, ironicamente, o primeiro passo na direção da humanidade plena, porque, pela primeira vez, ele reconhece a conexão entre ele mesmo e o outro ser humano.” (p. 131-132)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Economia Ideológica

Mesmo quando compartilham a mesma visão de como a economia funciona, os economistas com frequência divergem quanto ao peso que se deve atribuir aos diferentes objetivos. Em macroeconomia, por exemplo, alguns economistas desejam reduzir a desigualdade de renda mesmo que alguns dos meios necessários para alcançar essa meta, como a elevação dos impostos, tenham efeitos adversos sobre a atividade agregada. Outros acreditam que se deve aceitar essa desigualdade de renda e que é mais importante ter um alto nível de atividade agregada. Alguns economistas atribuem um peso maior ao combate às altas taxas de desemprego do que à luta contra a inflação, porque encaram o desemprego como um grande mal social. Outros, porém, acham mais importante combater a inflação, que consideram mais perigosa para a sociedade. Em geral estas discordâncias correspondem à divergências políticas.” (p.13-23)
             O que determina o rumo da política macroeconômica e, consequentemente, o destino de uma sociedade é, portanto, o argumento. O instrumental matemático, neste caso, seria relevante, uma vez que os números transmitem uma ‘verdade exata’. Influenciado por estas tendências, A. W. Phillips, em 1958, construiu um gráfico estatístico que estabelecia uma ‘relação inversa não linear’ entre os níveis de emprego e as taxas de inflação:

“Do ponto de vista da política econômica, a Curva de Phillips mostra que em muitos casos a redução do desemprego implica elevação dos salários monetários e, portanto, inflação; ou, ao contrário, uma política de combate a inflação (redução dos salários monetários) significa aumento da taxa de desemprego. Essa ‘concepção mecanicista’ da economia, ainda que antiga e posteriormente refutada pelos fatos, é muito tradicional. Muitas vezes ouvimos dizer que ‘se os juros diminuem, a economia aquece’ ou ‘se o câmbio se desvaloriza, as exportações aumentam’ ou, como supõe Phillips, ‘se o desemprego cai, a inflação sobe’.” (p.17)
Eu, particularmente, prefiro entender a economia a partir da chamada ‘estrutura de poder’. Ou seja, prefiro pensar que não existe uma lei geral ou uma lógica exata para se decidir qual o objetivo macroeconômico mais importante para a sociedade; penso que esta decisão esta, antes de tudo, relacionada a um jogo de interesses: quanto menor for o salário, maior será o lucro; uma taxa de juros elevada favorece os negócios do banqueiro; por meio da inflação (emissão monetária) os governantes podem confiscar parte importante da riqueza de seus cidadãos...

[Referência bibliográfica: LUQUE, Carlos Antônio; SCHOR, Sílvia Maria. Teoria Macroeconômica: Evolução e Situação Atual. In: Manual de Macroeconomia. (com adaptações)]

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Modelo de Solow

A materialidade é algo recente. Se a gente for analisar, ela tem cem anos, talvez menos. O carro popular, por exemplo, é uma idéia norte-americana dos anos 1920. A televisão, o DVD, a geladeira, o microondas, o computador, todas estas coisas pertencem à contemporaneidade. E é justamente a produção desta parafernália que faz a economia crescer. Mesmo na Revolução Industrial as taxas de crescimento não eram altas pelos padrões atuais. Para se ter idéia, de 1820 a 1950 a taxa global de crescimento do produto per capita foi de apenas 1,5% a. a. O elevado nível de atividade, portanto, é recente. Mas, o que determina este fenômeno? Para pensar esta questão e respondê-la, os economistas utilizam a metodologia desenvolvida originalmente por Robert Solow, no final da década de 1950, quando as taxas de crescimento global eram elevadíssimasO Modelo de Solow sugere, de um modo simplificado, que o crescimento do PIB é uma função ou depende do incremento de dois fatores, a saber, capital (máquinas, recursos financeiros) e trabalho. Ou seja, dobrando o número de trabalhadores e a quantidade de capital, é razoável supor que o PIB também dobrará. Mas, na prática, o planeta já esta superpopulado e os recursos naturais já não são abundantes, logo, o crescimento da economia não pode depender exclusivamente da duplicação dos fatores produtivos citados. A pergunta, neste caso, deve ser feita de outra maneira: de que modo aumentar a produtividade de capital e trabalho sem necessariamente ter de dobrá-los? A resposta depende do ‘estado de tecnologia’. Imagine, por exemplo, um grupo de secretariado, formado por um dado n° de secretárias. Pense na tecnologia como computadores. A introdução do primeiro computador aumentaria de maneira substancial a produtividade do grupo, uma vez que as tarefas mais demoradas passariam a ser feitas automaticamente pela máquina. Assim, Solow demonstrou que avanços qualitativos no ritmo de progresso tecnológico contribuem mais para o crescimento econômico do que meros aumentos quantitativos dos capitais e/ou da força trabalho” (p.205-221).

[BLANCHARD, Oliver. Macroeconomia. Editora Pearson, SP, 5° ed., (adaptado)]

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Papel do Estado no Sistema Econômico

O pensamento hegemônico, até 1929, cria na chamada concorrência perfeita. Este modelo fundamentava-s na ideia de que o mercado satisfizesse algumas condições, tais como: existência de grande número de ofertantes e demandantes; nenhuma firma é capaz de crescer a ponto de dominar por inteiro o mercado; homogeneidade de produtos, ou seja, não fazia diferença comprar de um de outro vendedor; a totalidade dos demandantes e dos ofertantes possui completa noção dos preços e disponibilidades do mercado local e de outras praças; qualquer indivíduo, que tenha o mínimo fundamental de visão empreendedora, pode montar seu negócio e ganhar seu dinheiro, pois não existem barreiras à livre movimentação dos fatores de produção e dos empresários. Assim, cada produtor operaria com a mais alta taxa de eficiência, seu produto teria o mais baixo custo e seu lucro seria o mínimo necessário para manter o também necessário número mínimo de produtores. Todo este arranjo se encaixaria ao natural, sem que o Estado precisasse intervir no jogo; como se uma mão invisível conduzisse os agentes à otimização de suas potencialidades, gerando a bonança privada e, como desdobramento desta, o tão desejado bem-estar social.
Com o desenvolvimento das grandes companhias e do consumo de massa, e, principalmente, depois da grave crise econômica de 1929, se observou que, não apenas a teoria da concorrência perfeita, como também uma infinidade de outras teorias irmãs desta, não se relacionavam com a realidade. Logo, tudo foi repensado. “Descobriu-se”, por exemplo, que o mercado possuía falhas. As falhas de mercado são fenômenos que impedem a economia de alcançar o ótimo de Pareto, ou seja, o estado do bem-estar social através do livre mercado. Algo simples, mas que fora ignorado: uma fábrica que polui o ar afeta a comunidade local, e isto não se corrige por si só. É preciso que o Estado, através de um regimento ambiental e da cobrança de taxas, reoriente o comportamento desta fábrica, no sentido de não prejudicar a comunidade próxima. Assim, com as evidências escancaradas da realidade, foi-se descobrindo que o governo possuía um papel importante dentro da teoria econômica. Mas, qual deve ser o grau de intervenção do Estado no processo econômico?
Para os liberais seria o mínimo; para os marxistas, o Estado é um comitê a favor da classe dominante; os institucionalistas têm uma terceira opinião; os keyneisianos uma quarta. De acordo com a concepção estruturalista de Celso Furtado, “o crescimento econômico pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças do mercado, mas o desenvolvimento social (bem-estar da coletividade) é fruto de uma ação política deliberada. Se as forças sociais dominantes são incapazes de promover esta política, o desenvolvimento se inviabiliza ou assume formas bastardas. Em outras palavras, a importância do papel do Estado varia com grau de desenvolvimento do país e com as circunstâncias históricas”.

[Trecho extraído do livro “Conversas com Economistas Brasileiros I” páginas 64-65 (com adaptações)].