quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O que isso significa?

Selfie foi considerada a palavra internacional do ano de 2013 – o que isso significa? Ora, depende do ponto de vista. Talvez signifique apenas que o uso da internet, sobretudo das redes sociais, tenha crescido no mundo inteiro, talvez signifique a falta de uma ideologia, de uma consciência crítica universal. Eu fico com o segundo significado. Pois o que é o selfie, ou pelo menos a grande maioria dos selfie’s, senão a promoção de si mesmo? senão a vontade de querer aparecer? senão o desejo de querer se tornar melhor do que os outros?
O sujeito estica o braço e tira uma foto de sua própria imagem, depois posta o retrato em uma rede social e fica aguardando que os seus simpatizantes se manifestem; na medida em que as manifestações vão aparecendo, o indivíduo recebe uma mensagem; em função da ânsia de querer saber quem se manifestou, acessa-se à internet, compulsivamente; a cada dia é preciso criar um, dois, três ou mais selfie’s para atrair novos simpatizantes; assim, gasta-se o tempo. Na Grécia Antiga, a título de comparação, gastava-se o tempo com filosofia – era comum que as pessoas se reunissem para debater ideias e pensar.
Que época é a nossa? Para onde estamos indo? O que nos uni? Porque o nosso vocabulário se empobreceu tanto? Ainda ontem se falava em revolução, falava-se em amor, acreditava-se em felicidade; hoje, tragicamente, a palavra é selfie.
“[...] se nos descartarmos da noção de que o Homem, com letra maiúscula, deve ser visto ‘por trás’, ‘debaixo’, ou ‘além’ dos seus costumes, e se a substituímos pela noção de que o homem, sem maiúscula, deve ser visto ‘dentro’ deles, corre-se o perigo de perder por completo a perspectiva do homem” (p.27).

[GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. 1° Ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008]

sábado, 23 de agosto de 2014

Aécio jamais!

O candidato à Presidência da República, o tucano Aécio Neves, utiliza-se de argumentos falsos para atrair a simpatia do povo. Ele faz visitas a centros de reabilitação de acidentados, a comunidades carentes, a hospitais de câncer infantil e, nas imagens, aparece apertando a mão dos miseráveis, beijando as criancinhas, sorrindo para os aleijados, como se dissesse “eu sou um cara do bem, eu sou um cara que se importa com os outros”, o que é uma grande mentira!
Teoricamente, os partidos de direita não acreditam no social. Para eles, a ideia de evolução, de progresso, está inevitavelmente ligada à eliminação de resíduos, à eliminação daquilo que “não conseguiu” se adaptar às mudanças. É um pouco do que Darwin pensava a respeito das espécies selváticas, só que, devido aos interesses das classes dominantes, adequou-se isso à sociedade, ou melhor, para se entender o movimento da sociedade. Então, como era óbvio, concluiu-se: para que os mais fortes triunfassem, os mais fracos deveriam cair; não por maldade ou descaso, mas por ser o “movimento natural das coisas”. Um reducionismo estúpido, pois não é preciso ser nenhum filósofo para saber que existem diferenças monstruosas entre um crocodilo africano e um morador de São Paulo ou entre um urso polar e um nordestino.
Aécio é a imagem do cão, Maquiavel sabia disso: “[...] deves parecer clemente, fiel, humano, íntegro, religioso – e sê-lo, mas com a condição de estares com o ânimo disposto a, quando necessário, não o seres, de modo que possas e saibas como tornar-te o contrário” (p.85).

[MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Editora Martins Fontes, São Paulo, 2001, 5°ed.]

sábado, 16 de agosto de 2014

Fora do Ar

As novelas vendem o teatro, onde a vida não é mais do que um “faz de conta”; os telejornais vendem o catastrofismo – estupros coletivos, desastres naturais, escândalos de corrupção; os programas de humor vendem a desgraça dos mais pobres; as propagandas vendem a perfeição - empresas multinacionais e bancos que inventam a facilidade, o imediatismo e a alegria de seus consumidores; ainda no mesmo comercial, o Governo cria um mundo onde tudo dá certo, feito de estatísticas, ao seu gosto e conveniência.
As informações não batem, não há lógica, não há sentido, não há coerência, enfim, não sei o que comprar ou, o que é pior, perdi minha opinião. Me sinto como um cabo-de-guerra, sendo puxado de um lado para o outro. Melhor mudar de canal. Um pastor de voz colocada fala daquelas mesmas catástrofes e anuncia o fim dos tempos. E agora?
Desligo o aparelho. Procuro na estante um livro sobre o assunto, de um sociólogo francês. Abro-o e encontro a sentença: “A televisão regida pelo índice de audiência contribui para exercer sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as pressões do mercado” (p.96-97).  É isso: se falar mal dos pobres é lucrativo, então que se fale mal dos pobres; se fofocas sobre a vida dos famosos atraem os telespectadores, então que se noticiem fofocas; se a morte do pai de família dá ibope, então que se mate o pai de família. 
“A televisão convida à dramatização [...] põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importância, a gravidade” (p.25). A Copa é um exemplo disto. De repente, milhões, bilhões de pessoas, dos quatro cantos do mundo, estão vivendo, respirando futebol, e não se fala mais em política e não se fala mais em baixos salários e não se fala mais em educação, como se as coisas acontecessem por partes: será que estamos sendo manipulados?

[BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Editora: Jorge Zahar, RJ, 1997]

domingo, 10 de agosto de 2014

Como as coisas funcionam

Há, por detrás da realidade aparente, milhares de outras realidades. Aristóteles, que viveu de 384 a 322 a. C., dizia “a Terra é o centro do Universo, e o Sol e todo o resto se movem em torno dela”. Entretanto, um grego chamado Aristarco, que viveu uns cem anos depois de Aristóteles, dizia o contrário “o Sol está no centro do Universo e tudo, inclusive a Terra, se move em torno dele”. Mas não foi levado a sério. Afinal, está na Bíblia que “os céus” e “os luzeiros” foram criados em função da Terra ou, de outra maneira, para que o homem pudesse se adaptar à vida terrena. O que contraria não apenas a Física, para a qual o planeta em que vivemos não é mais do que um grão de areia no Universo, como também as ideias de Aristarco, que, mesmo sem possuir telescópio ou nave espacial, concebera a hipótese heliocêntrica, atualmente a mais aceita para o sistema solar.
O poder é capaz de manipular os fatos; o que chamamos de verdade pode ser uma mentira; a História que conhecemos, foi inventada, ou melhor, poderia ter sido outra. Para ficar mais claro: uma lenda egípcia, de cinco mil anos atrás, diz que o Deus Hórus nasceu de uma virgem no dia 25 de dezembro e que voltou da morte após três dias: isso te soa familiar?
Nelson Rodrigues era mestre no sentido da revelação dos fatos ocultos. Em um de seus contos, intitulado “O Justo”, uma menina de 15 anos aparece grávida de repente; na casa onde viviam sete homens – três genros, três filhos e o patriarca – todos eram suspeitos; o engraçado é que antes de entregar o canalha, Nelson Rodrigues deu uma pista: “Seu Clementino, com efeito, não bebia, não fumava, não jogava; era sóbrio e contido até nos prazeres da mesa. Comia pouco, comia apenas para não morrer de fome. No dia de suas bodas de prata, surpreendeu os convidados ao dizer, com sua voz densa:
- Só conheço uma mulher: a minha! E nunca a traí!”(p.78).
Era mentira: assim funcionam as coisas.

[RODRIGUES, Nelson. A vida como ela é... In: O Justo. Editora Nova Fronteira, RJ, 2012]

domingo, 3 de agosto de 2014

Notas sobre a Crise Argentina

Assisti no telejornal de quinta-feira, dia 31/07/14, à notícia de que a Argentina está sendo vítima de especuladores – bilionários que compraram os títulos da dívida pública portenha a “preço de banana” e que agora querem receber por eles o preço mais alto. Do ponto de vista negocial e democrático, não há nada de errado com isto, afinal “trata-se, por assim dizer [...], do jogo das cadeiras onde é preciso arranjar uma antes que a música pare” (p.152-153); do ponto de vista humano e social, no entanto, é um fracasso histórico.
Um juiz norte-americano impediu que apenas uma parte da dívida fosse quitada; os argentinos desejavam pagar um valor inferior pelos títulos, mas nem todos os credores aceitaram a proposta, o que levou o magistrado a bloquear os valores depositados num banco nova-iorquino. A manobra, democraticamente válida, foi requerida pela minoria especulativa, que tem como estratégia “pressionar até o fim”, com o objetivo de obter o maior lucro possível.
A pergunta é: por que deixar isto acontecer? por que deixar que uma meia-dúzia de calhordas afundem um país inteiro no caos social? por que ninguém intervém? por que a Europa não intervém? por que o Brasil não intervém? por que a ONU não intervém? Está certo que esta situação é o resultado da incompetência dos governantes argentinos, mas o povo não tem culpa! Como bem explicou Keynes, há uma teoria por detrás disto, a teoria do liberalismo econômico, a teoria dos partidos da Direita: “deu-lhe autoridade o fato de poder explicar muitas injustiças sociais e crueldades aparentes como incidentes inevitáveis na marcha do progresso, e de mostrar que a intenção de modificar este estado de coisas tinha, de um modo geral, mais probabilidade de causar dano do que benefício; por fim, dar certa justificativa à liberdade de ação do capitalista individual atraiu-lhe o apoio das forças sociais dominantes agrupadas atrás da autoridade” (p.43-44).
A mesma ideologia que conduziu a humanidade a tragédias globais – à Crise de 1929, à Crise Financeira de 2008, entre outras – agora arrasta os hermanos para o abismo. Além disso, repetem-se as condições históricas que reproduzem o subdesenvolvimento: bilhões de dólares que seriam aplicados na saúde e na educação do povo argentino, agora serão aplicados na compra de mansões, carros de luxo e jóias, de modo a satisfazer os prazeres individuais dos magnatas financeiros. “Os especuladores podem não causar dano quando são apenas borbulhas numa corrente firme de empreendimento; mas a situação torna-se séria quando o empreendimento se converte em borbulha no turbilhão especulativo” (p.155-156).

[KEYNES, John Maynard. Teoria Geral. São Paulo: Fundo de Cultura, 1964]