O “conceito de felicidade” da nossa época está muito
relacionado ao excesso – excesso de emoções, de bens e serviços, de
individualismo. Se há um espaço vazio na prateleira, o sujeito logo trata de preenchê-lo com um enfeite ou qualquer outra coisa; se há um espaço vazio na alma o
sujeito logo trata de preenchê-lo, com uma aventura extraconjugal; “não pode
haver espaço vazio em lugar nenhum” – diz o sistema.
O consumismo e seus desdobramentos encontram suas bases nos
EUA dos anos 1920: “A confiança num crescimento econômico que parecia não ter
limites levava a população a consumir cada vez mais. Segundo o jornalista
William A. Klingaman, poupar era condenado como algo irremediavelmente
impatriótico. Era dever de cada norte-americano comprar o maior número possível
de relógios de pulso, enceradeiras, geladeiras, aparelhos de barbear elétricos,
bicicletas ergométricas e latas de ervilha” (p.6).
Acho que queremos demais. Não nos basta uma casa boa, com
dois quartos, sala, cozinha, garagem, pátio, área de serviço e banheiro;
queremos uma casa de dois pisos, com piscina, sala enorme, suítes e garagem
para dois carros (pois um carro apenas não nos é suficiente). Não queremos
apenas dentes saudáveis, queremos também cabelos brilhantes, olhos claros,
corpo escultural e poder. Muito poder, diga-se de passagem: ninguém se contenta
com pouco. Não queremos um amigo, queremos um super-herói. Não queremos uma
mulher, queremos três. Queremos viajar para Nova York, passar férias na Suíça e
conhecer Paris. Não queremos um salário decente, queremos ganhar milhões.
Preferimos dormir ao invés de acordar. Mas este sono que dormimos não nos faz
bem. Estamos cansados. Já não conseguimos sorrir direito. Já não nos
reconhecemos mais como pessoas, somos consumidores agora. Pertencemos a uma
civilização específica, caracterizada pela capacidade de dar preço às coisas,
inclusive à felicidade.
[BRENER, Jayme. 1929: a crise que mudou o mundo. São Paulo,
Ática, 1996]