Logo após a leitura dos primeiros capítulos desta obra,
pensei “Gabriel García Marquez é um gênio”; li mais alguns capítulos e repensei
“ele é mais do que um gênio”; li um pouco mais, e a cada vez que eu virava uma
página, uma nova impressão, sempre melhor e mais fascinada, surgia “ele é um
herói, ele é um imortal, ele é um revolucionário...”, enfim, eu não conseguia
adjetivar o romance de Gabo, pelo simples fato de se tratar de um livro inclassificável.
Segundo a lenda, quando o diretor da editorial Sudamericana
começou a ler os originais de Cem Anos de Solidão, numa noite chuvosa de abril
de 1967, em Buenos Aires, foi tomado de tamanha exaltação que chamou aos gritos
pelo telefone o seu companheiro literário Eloy Martínez. “Venha urgente para cá
– disse – estou diante de uma obra tão extraordinária que não sei se o autor é
um deus ou um louco”.
O livro, na forma, retrata a história de uma família, os
Buendía, através de suas gerações, e de uma cidade, Macondo; em essência,
porém, é difícil precisar sobre o que o texto fala, pois sua abordagem
possui milhões de sentidos. Sergius Gonzaga, professor de Literatura Brasileira
da UFRGS, se arriscou: “O final do romance é extraordinário. Precedido por
ataque de formigas e por vozes que chegam do passado, o mundo anacrônico de
Macondo inicia a sua decomposição sob o efeito de um terrível ciclone, enquanto
o último dos Buendías, Aureliano Babilônia, começa a decifrar os personagens do
cigano Melquíades, onde tudo estava antevisto: o destino da estirpe e da
cidade, ambas inexoravelmente conduzidas pela fatalidade à destruição, ao
fracasso existencial, cristalizado na irrevogável solidão que acompanha os
seres na travessia enganosa do tempo, e à inutilidade das ações humanas diante
do abismo do nada”.
O crítico literário, Flávio Loureiro Chaves, também fez sua
análise. Para ele, “Gabriel García Marquez criou um mundo de múltiplas dimensões
para cuja abordagem as categorias do romance tradicional são insuficientes. A
história da derrocada da família Buendía é, também, a crônica da ‘cidade dos
espelhos’ e esta reflete o mito da condição humana ‘acabándose a cada minuto
pero sin acabar de acabarse jamás’. O panorama de um mundo em desagregação
revelou a solidão insuperável da espécie humana”. Talvez seja exatamente esta a
mensagem de Cem Anos de Solidão, o paradoxo existencial: acabándose a cada
minuto pero sin acabar de acabarse jamás.
[Fonte: ZERO HORA (jornal). In: Caderno CULTURA. Edição de
19 de abril de 2014]