Tem gente que atravessa a vida sem fazer nada de diferente,
nada de emocionante; tem gente que vive dentro de um projeto, como se a vida
fosse matemática; tem gente que desaparece da existência como se nunca tivesse
estado nela. Mas comigo não.
Volta e meia me lembro da época em que eu era um menino e
saia para jogar bola com a molecada. Jogava a tarde inteira – no campinho, na
rua, no pátio – não tinha outras preocupações, não me preocupava com o futuro,
com a crise econômica mundial, não me preocupava com o “fim dos tempos”, ainda
não havia iniciado a busca pelo “grande amor da minha vida”, eu apenas passava
a tarde inteirinha correndo, imaginando jogadas, evocando os deuses do futebol,
e não havia nada além disso, nada, nada além do sonho – eu era absolutamente
feliz.
Hoje, vinte anos depois, ainda sinto saudades, ainda sinto
vontade de colocar a bola debaixo do braço, reunir a galera e jogar de pés descalços
a tarde toda, mas, por mais que o sonho e a vontade continuem existindo, não
tenho mais tempo. Hoje eu trabalho dois turnos, tenho contas a pagar, tenho
compromissos de todos os tipos, tenho afazeres domésticos, metas, estudos e, o
que é pior, não sou mais criança. Isto é, aquele tempo passou, evaporou-se,
diluiu-se; o que eu não aproveitei, essa empolgação que eu ainda tenho, de “jogar
mais”, de correr, de disputar, de fazer o gol, a liberdade, tudo isso está
guardado na lembrança daquelas tardes pueris; não é mais possível recuperar os
dias em que eu fiquei de castigo, os dias de chuva, os dias em que eu estava
com febre... esses dias se perderam.
(Uma pausa para pensar).
Não quero mais perder as coisas – as paixões, os sonhos, as
vontades, as emoções, os ideais, os ímpetos, as motivações – quero aproveitar
tudo ao máximo, quero chegar aos 70 anos e ter histórias pra contar, sobretudo
o que foi feito; quero subir os 70 degraus da escada e, lá de cima, poder olhar
pra baixo, com orgulho, com a sensação de quem experimentou cada passo, sem
preocupar com a ideia de que haveria outro, e outro, e mais outro, sem a ideia
de que depois não haveria como voltar, enfim, sem a ideia de que aquilo pudesse
ser uma conta.
[Referência: minhas memórias infantis].