quarta-feira, 26 de junho de 2013

Falsas-Esperanças

O rico se apega ao dinheiro, e nada mais importa; o viciado se apega ao vício, e nada mais importa; o crente se apega a Deus, e nada mais importa. A falsa-esperança é isto: a fragmentação da vida. O rico sabe que a morte lhe roubará toda a fortuna, ainda assim, a dor dos fracos e oprimidos não o comove – ele se agarra com unhas e dentes ao seu patrimônio e o resto que se dane! O crente e o viciado seguem a mesma linha comportamental, por caminhos opostos, é verdade, mas que, no fundo, convergem para o mesmo ponto.
Não se trata de certo ou errado, de anjo ou diabinho, de beleza ou feiúra, mas de um estado d’alma, de um perfil psicológico, de uma falsa-esperança. Deus é uma desculpa, o vício é uma desculpa, a riqueza é uma desculpa, tudo o que não é completo é uma desculpa. Se a pessoa cruza por um mendigo ou por um cachorro abandonado e permanece indiferente, justificando 'isso não tem nada comigo', então esta pessoa alimenta a sua vida com falsas-esperanças.
A nossa época é muito assim – o indivíduo sonha, mas não vive. Sonha com o grande amor, porém, não o constrói; sonha com a família feliz, com o carro importado, com o corpo escultural, porém, na prática, isso não passa de teoria. É sonho demais e realidade de menos!
Alimentado pela falsa-esperança de sua existência, o sujeito passa a ignorar o que existe ao seu redor. A isso se dá o nome de 'cabeça-de-vento'. É a completa falta de política, é a completa falta de História, é a completa falta de Filosofia, é o excesso de consumo de bens e serviços, é o excesso de imaginação, é o excesso de planos que não saem do papel – são várias coisas ao mesmo tempo, nenhuma delas bem feita.
Aos que estão cansados de falsas-esperanças, a poesia de Mário Quintana:

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás de suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo... (p.64).

[QUINTANA, Mário. Baú de Espantos. In: Os Degraus. Editora Globo, São Paulo, 133 páginas].

terça-feira, 18 de junho de 2013

Vamos Invadir o Congresso!

Os protestos transformaram-se em mais protestos. O povo tomou as ruas das capitais. A indignação, entalada na garganta, foi cuspida na cara.
Os meios de comunicação, a princípio, noticiaram que os manifestantes protestavam contra o aumento das passagens, entretanto, a reivindicação, que começou em São Paulo, se espalhou pelo Brasil, ganhou apoio internacional e, depois de cinco dias, dimensões revolucionárias. Quarenta mil pessoas nas ruas de Porto Alegre, sessenta mil em Brasília, cem mil no Rio de Janeiro – era muito mais do que tarifa de transporte.
Era um grito! Um grito contra a corrupção, contra a violência urbana, contra a péssima qualidade do ensino, contra a falta de saúde, contra o excesso de impostos, contra o aumento do custo de vida, contra o vazio de nós mesmos... um grito contra tudo e contra todos, um grito contra o medo, um grito pela vontade de gritar e ser ouvido: “Vocês não têm nada a perder a não ser as suas amarras” (p.65).
No noticiário das oito (20 hs) a revolução era transmitida ao vivo. De um helicóptero o câmera filmava Brasília, capital nacional da vergonha, antro da corrupção. Um outro câmera que estava em meio aos revolucionários abriu o áudio, o povo, sedento, gritava:
- Vamos invadir o Congresso!

[MARX & ENGELS. In: Manifesto do Partido Comunista. Editora: Avante! Lisboa, 1997, 76 pág.s].

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Amor ao Destino

Muitas pessoas não são felizes. Isto parece uma 
afirmação óbvia, entretanto, não é. Muitas destas muitas pessoas deveriam ser felizes, têm condições para isso, mas não são. O óbvio, neste caso, seria: por quê?

O caminho que a vida da gente toma às vezes é tão dolorido... acho que é por isso que as pessoas de idade gostam de guardar coisas velhas. Parafusos, roupas usadas, lembrancinhas, quinquilharias que, pelo valor sentimental ou por qualquer outra desculpa, ficam ali, guardadas na gaveta, esperando o dia em que lhes será dado um destino. Mas este dia nunca chega...
Os meses passam, os anos passam, a vida passa e aqueles objetos permanecem guardados, como se o tempo não fizesse sentido. Na verdade, é dentro da gente que estas coisas estão. Acredite. Você já pensou milhares de vezes em rasgar aquelas fotos, em se desfazer dos enfeites, em doar as louças, em se livrar do excesso e não o fez. Indo mais fundo, você já pensou (e ainda pensa) em mudar de hábitos, de pensamentos, de sonhos, de casa, de cidade, de emprego, de amigo, de namorada, mas você não consegue, você vive a mesma vida sempre! Na verdade, é dentro de você que as coisas estão trancadas. As coisas velhas na gaveta apenas indicam isto; só isto.

Estava lendo um artigo que falava justamente sobre este assunto. É como se tivéssemos medo do nosso próprio destino, de viver a nossa própria vida, de ser a nossa própria contradição. Quando um sentimento é bom, o queremos pra sempre; quando é ruim, desejamos que se vá. Agindo assim, deixamos de perceber a finitude de todas as coisas – o resultado é o medo de rasgar uma foto antiga, é o aprisionamento ao passado, é viver sem estar vivo, é um presente insosso, é um destino que não se resolve, é a falta de amor por si mesmo.
O artigo, intitulado "Dois poemas à luz do pensamento de Nietzsche", explica isto: "a vida se depara com o irremediável, não há outra saída senão viver sem fuga, sem covardia, sem subterfúgios, o bem e o mal, a degradação, o medo, a morte, o belo e o nascimento, porque tudo é precioso. Enfim, é deste jeito que é: uma parte de mim sofre, outra pede amor, outra viaja, outra discute, uma última trabalha, sou todas as comunicações, como posso ser triste?” (p.95-96, com adaptações).

[MACEDO, Iracema. In: Dois poemas de Drummond à luz do pensamento de Nietzsche. IpotesLi, revista de literários, Juiz de Fora, v.7, n.1, p.93 a 98].

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O Liquidificador Humano

Não me cumprimentou. Me conhecia, mas não me cumprimentou. Os olhos se enchem de raiva:
- Pau no cú!
Hoje eu entendo melhor o que Gabriel Gárcia Márquez quis dizer com aquela passagem, em Cem Anos de Solidão, “era jovem ainda, porém, já havia sido consumida pelo rancor”. (Foi no último quarto do livro, não me lembro da página).
O rancor pode anular uma pessoa, acreditem! Acontece assim: ele não me cumprimentou, talvez porque estivesse de mal consigo mesmo, talvez porque não gostasse de mim, sei lá; numa outra oportunidade eu não o cumprimentei, pra descontar a humilhação e manter o orgulho; num terceiro encontro, ninguém se olhou. Estas coisas crescem, acreditem! A pessoa começa a imaginar um modo de atingir a outra - “não vou sorrir”, “agirei com indiferença”, “vou mudar de caminho” – acreditem!
O mesmo serumano que pisou na Lua, o mesmo serumano que escreve, que lê, que pinta, é capaz de estuprar, de apertar o gatilho, de cultivar rancor. Acreditem!
Finjo que não é comigo. Mas lamento. Sei que o rancor faz mal, que é uma doença tão devastadora quanto o câncer ou a aids, por isso, me desvencilho dele, o máximo que posso. Estava certo o poeta: “Que pode uma criatura senão,/ entre criaturas, amar?” (p.262).

[ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova Reunião. In: Amar. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília; INL; 1983].