quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Protesto

Um amigo meu, indignado com o tratamento recebido pelas funcionárias da Biblioteca Pública Municipal de Torres, resolveu se manifestar. Como freqüentador do local, faço minhas as palavras dele.

Estou indignado.
Vou à Biblioteca Pública Municipal de Torres, escolho um livro, me sento à mesa e, ao invés de penetrar na obra, sou invadido por fofocas e asneiras de todas as espécies – as funcionárias da biblioteca se comportam como se estivessem de férias! O tempo todo falam sobre novela, sobre doença, sobre a vida alheia, num tom altíssimo, que impossibilita a leitura.
Eu tentava me concentrar, contudo, mesmo colocando um protetor de ouvido, eu só escutava a voz delas. E, o pior, havia, bem na minha frente, um cartaz com os dizeres: “Faça silêncio”.
Mas, o barulho é só o começo: o atendimento também é horrível. A gente pergunta sobre algum livro e nos mandam procurar; a gente pergunta se a biblioteca possui a obra tal e elas nos respondem “não sei”, com má vontade; metidas, pensam que estão em casa?
As pessoas saem de lá constrangidas, a falta de educação beira o absurdo!
Aconteceu comigo. Uma série de livros novos foi adquirida pela instituição, mas a gente pergunta:
- Aquele ali – apontando para o mural - está disponível no acervo?
E elas respondem, sem a menor noção:
- Procura.
O usuário retorna:
- Não encontrei.
- Então ainda não foi catalogado.
- E quando será?
- Quando a fulana de tal retornar.
- E quando a fulana de tal retorna?
- Não sei.
Pelo amor de deus, isto é uma ofensa ao cidadão torrense! Quem fiscaliza aquela instituição? Porque aquelas funcionárias são tão despreparadas? O que está acontecendo lá dentro?
Como morador da cidade, eu gostaria que fossem tomadas providências. Do que adianta possuir um acervo maravilhoso, num local maravilhoso, com vista para a Lagoa do Violão, se o atendimento é péssimo e desqualificado?
Quem mais se prejudica com isto é a cidade, que perde leitores. Quem irá se interessar por livros num ambiente onde é mal recebido?
Por fim, vale lembrar que é um dever do funcionário público, segundo a Lei 8112/90:
i) exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
ii) atender com presteza, ao público em geral, prestando as informações requeridas;
iii) tratar com urbanidade as pessoas.
Povo torrense, exerça a sua cidadania!

Assinado: Paciência Tem Limite.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Literatura Moderna

Para um mundo de realidades diferentes, o texto deve ser flexível. O morador de uma comunidade carente jamais se identificará com um enredo burguês, a não ser que a criatividade do literato consiga imaginar um ponto de encontro, ou seja, uma forma de aproximar estes mundos antagônicos, ao invés de separá-los ainda mais.
Há, geralmente, diferença de escolaridade entre um morador de uma favela e um morador de um condomínio de luxo. Logo, o segundo esta mais ambientado do que o primeiro a uma linguagem padrão-culta. No entanto, quando se comunicam, as pessoas, pobres ou ricas, brancas ou negras, cristãs ou atéias, utilizam-se de uma linguagem mais prática, que ultrapassa as diferenças de escolaridade.
Na Literatura Brasileira, este ponto de encontro se deu com o Modernismo. O poema “Poética”, de Manuel Bandeira, explica a mudança:

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente, [protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o [cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas!

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos palhaços de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Antes disto, os poemas eram calculados.

(Fragmento extraído da página 207 do livro Libertinagem)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A Riqueza das Nações

Adam Smith
Vivemos em uma sociedade onde as coisas estão inter-relacionadas de tal maneira que a atividade produtiva é específica. Isto é, quem produz arroz, vende arroz, e, com o dinheiro desta venda, compra todo o resto – sal, carne, automóvel, sapato, computador etc. Antigamente não era assim. Os índios primitivos, por exemplo, viviam isolados. O que uma aldeia produzia não era comercializado com a tribo vizinha, quer dizer, não havia relação de troca.  Nestas comunidades, portanto, a atividade produtiva era bem menos específica e estava muito mais relacionada à subsistência do que ao conforto. O contrário do que vivemos hoje.
Segundo Adam Smith, no entanto, a propensão humana à troca, conseqüência necessária das faculdades de raciocinar e de falar, conduziram estas comunidades primitivas umas às outras. (De acordo com este ponto de vista, a História não seria mais do que o “processo natural das coisas” – um mundo que, por si só, evolui para o melhor estágio possível).
Essa propensão à troca, inerente ao homem, seria o princípio gerador da divisão do trabalho. Este, por sua vez, seria uma das causas fundamentais da materialidade da nossa época: “Numa fábrica de alfinetes, um operário não treinado para essa atividade nem familiarizado com a utilização de máquinas ali empregadas, dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma não conseguiria fabricar vinte. Entretanto, da forma como esta atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial. Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. Vi uma pequena manufatura deste tipo, com apenas 10 operários, e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes. Mas, embora não fossem muito hábeis, e portanto não estivessem particularmente treinados para o uso das máquinas, conseguiam, quando se esforçavam, em torno de 48 mil alfinetes por dia. Pode-se, mesmo, considerar que, em função da divisão do trabalho, cada um destes 10 operários produzia 4.800 alfinetes em uma única jornada”.

[SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Editora Abril Cultural, 1983. Páginas 42-43].

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fundamentos do Escritor

Ao iniciar a leitura de Menino de Engenho, obra do paraibano José Lins do Rego, me surpreendi com uma passagem que revela a vocação natural do escritor.
“Eu tinha quatro anos no dia em que minha mãe morreu” (p. 3). Ela fora assassinada pelo pai de José, com um tiro, durante a madrugada. Em função do barulho do estampido, logo apareceram outras pessoas: “A gente toda que estava ali, olhava para o quadro como se estivesse em um espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força” (p. 3). “À tarde o criado leu para a gente da cozinha os jornais com os retratos grandes de minha mãe e de meu pai. Ouvi aquilo como se fosse uma história de Trancoso. Parecia-me tão longe, já, os fatos da madrugada, que aquela narrativa me interessava como se não fossem os meus pais os protagonistas” (p. 4).
Entretanto, quando não existe a vocação, o que o sujeito deve fazer para desenvolver este talento? Ou, de outra forma, é possível desenvolver-se neste sentido? Os mais religiosos diriam que o dom é uma herança de Deus e que, portanto, não poderia ser ensinado. Eu, ao contrário, penso que os fundamentos do escritor são tangíveis e assimiláveis. A crônica abaixo explica o meu pensamento:
“A primeira matéria pela qual me interessei foi Artes, que, na escola, chamavam de Educação Artística. Era diferente das outras disciplinas porque, nesta, não eram feitas provas, assim, o aluno podia, livremente, desenhar o que sua imaginação permitisse.
Eu desenhava e pintava à vontade. Pesquisava sobre a vida dos grandes artistas, analisava as telas e, desta investigação, colhia material para criar a minha própria arte, se é que isso fosse possível. A professora gostava muito de mim. Certa vez recebi um elogio dela: ‘Que lindo, Pedro!’. Isso mexeu comigo, não tanto pelas palavras, mas, sobretudo, pelo olhar da professora, que brilhava. Depois desse dia passei a me dedicar com mais afinco aos desenhos.
Matemática foi a minha segunda paixão escolar. A professora Roberta costumava propor desafios à turma. Primeiro ela explicava a matéria, sempre com muita objetividade e clareza, depois ela nos entregava uma folha de exercícios. Mas não eram quaisquer exercícios, eram problemas que realmente desafiavam a lógica dos alunos. Ficávamos uma, duas horas ocupados em resolvê-los. Quando não conseguíamos encontrar a resposta, íamos até a mesa dela e pedíamos explicação. Matematicamente, ela simplificava o cálculo, até chegar ao resultado exato. Isso era fantástico!
Por fim, veio a Literatura. Me apaixonei por ela nos últimos anos escolares, já na adolescência. A professora, linda que só, nos pedia que escolhêssemos um livro. Meus colegas geralmente escolhiam o que tivesse menas páginas. Tínhamos um mês para ler e resumir a obra, apontando os personagens, o cenário, o porquê do título etc. Em meu primeiro fichamento, ganhei dez, e a admiração da bela professora... Noutra oportunidade ela nos pediu que escrevêssemos um texto, contando uma história qualquer. Foi neste mesmo dia que recebi o elogio definitivo. Depois de ler o meu conto, a professora, com ar apaixonado, disse:
- Pedro, porque você não se torna escritor?
Eu sorri envergonhado.
Assim me tornei escritor. Devido à minha paixão pela Arte, desenvolvi a imaginação; depois, com a Matemática, desenvolvi a lógica; a Literatura, por sua vez, me emprestou o seu romantismo. Faltava a crítica, que eu encontraria na universidade com o estudo das ciências sociais”.

[REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Editora José Olympio. 44° edição. p.3-4].