O dinheiro, muito mais do que Deus, tornou-se, desde a Revolução
Industrial, o grande mito da nossa época. E muitos sujeitos, mesmo os que
pertencem à classe operária, rezam, diariamente, por suas bênçãos materialistas.
Obcecados pela falsa ideia de que as fortunas se fazem com o suor do próprio rosto,
estes pobres-coitados entregam suas almas ao sistema. Fazem 8 horas por dia,
durante 35 anos, sem reclamar; chamam o patrão de senhor e, tão logo recebem
o primeiro aumento, tratam de adquirir um carro usado. Estes sujeitos acreditam,
assim como uma criança acredita em coelho da páscoa, que os bilionários se
tornaram bilionários porque trabalharam muito, em média 60 horas por semana,
sem esbanjar dinheiro, vivendo com o estritamente necessário, sem usar ou
comprar artigos caros ou de luxo. Foi isto que um rapaz comentou numa rede
social. Ele ainda disse “[...] acho muito simplista acusar investidores [do
mercado financeiro] por ganhar dinheiro fácil, uma vez que a maioria dos
ricaços é de primeira geração, ou seja, construiu sua riqueza do zero. Louvável
também o trabalhador que luta por seu salário. O problema é que não temos uma
cultura de poupança, de ganhar por mérito, de aperfeiçoamento. Pensamos somente
no aqui e no agora”. O rapaz falava com tanta certeza que me colocou uma pulga
atrás da orelha: “Então quer dizer que a culpa é toda minha?”
Logo, uma crise existencial tomou conta de todo o meu
ser. Passei a me sentir um verdadeiro otário, passei a sentir culpa pela minha
incapacidade, pelo meu status de pobre e, já no mesmo instante, passei a adorar
sujeitos como Eike Batista, Chiquinho Scarpa e Paris Hilton, verdadeiros ícones
do materialismo. Passei a acessar sites de fofocas. Comprei a última edição da
Revista Caras. Aderi ao método judeu de finanças: guardar sempre um terço do
que se ganha.
As coisas começaram a caminhar de tal forma que até as
crônicas do Juremir Machado da Silva começaram a conspirar a meu favor. Numa,
intitulada “Ser Bilionário no Mundo de Hoje”, ele disse “Saiu, a mais de um mês,
um estudo sobre os mais ricos do planeta. Tratei de estudar o assunto. Ainda
não desisti de ser bilionário. É só uma questão de tempo e dinheiro. Todo verão
planejo entrar para o seleto grupo dos que controlam a grana. Depois, terminam
as férias, volto a trabalhar e fico sem tempo para enriquecer. Tenho um ponto
em comum com os detentores das maiores fortunas do mundo: sou do sexo masculino.
Já é um começo. Sobre 2325 bilionários, 2039 são
homens [...]. Minhas chances aumentam com outra característica dos bilionários:
eles são casados (eu também). Mas diminuem quanto ao nível de estudo. A maioria
possui poucos diplomas ou nenhum. Eu tenho vários. Chega a 35% o índice de
bilionários que não terminaram o ensino médio. Já 42% só tem o ensino médio.
Apenas 11% fizeram uma tese e embolsaram um diploma de doutorado. Por que eu
fui estudar tanto?”
Brincadeiras à parte, o mito do ricaço, digamos assim, quer
transformar os 99% da população mundial não-bilionária, num bando de alienados.
O mito diz: poupe, trabalhe duro, idolatre o seu patrão, não estude, não abra a
sua mente para novas ideias; e se, lá no final, quando você já estiver
velhinho, a fortuna não tiver chegado, lembre-se de que a culpa foi sua, porque
as oportunidades são iguais pra todos.