No prefácio da obra “Numa Fria” está escrito: “De estilo extremamente livre e imediatista". E foi justamente esta a impressão que me
ficou, ao ler os contos. Bukowski “vai colhendo as primeiras informações”, “os
primeiros sentimentos”, “as vontades”, e, sem lapidação, "vai improvisando" os parágrafos, um após o outro, artisticamente. Não há volta em seus textos, só há
frente; eles seguem sempre em progressão, orientados pelo momento. A interpretação
jamais acontece – a filosofia do “Velho Safado” é, em essência, descritiva.
Ele utiliza-se de palavrões “merda, porra”, fala de
sexo como se falasse de futebol “tira a mão da minha xoxota", parece não se importar com o mundo "só precisavam de sono, lençóis limpos, comida, bebida e pomada para hemorroidas" e, apesar de não servir de exemplo pra ninguém, “o
Maldito” ainda é capaz de compreender o serumano de uma forma a fazer inveja a muitos “certinhos”: “Nós somos nossos próprios quadros”. Deriva daí o seu sucesso – Bukowski é capaz de
transformar o dia-a-dia em verso, de pegar as bebedeiras triviais, a vontade de
fazer sexo, as angústias adolescentes e transformá-las em arte; Bukowski é capaz de afrontar a sociedade sem se perturbar, para ele “o homem era a cloaca
do universo”. Deriva daí o seu sucesso – uma obra com a qual as gerações, de
todos os tempos, se identificam:
O telefone tocou de novo.
[...]
Era a poetisa Janessa Tell. Tinha um belo corpo, mas ele
nunca fora para a cama com ela.
-Eu gostaria que você viesse jantar amanhã de noite.
- Estou firme com a Lu – ele disse. Nossa, pensou, sou
fiel. Nossa, pensou, sou um cara legal. Nossa.
- Traga ela junto.
- Acha que seria sensato?
- Pra mim, tudo bem.
- Escuta, eu ligo pra você amanhã. Pra confirmar.
Desligou e tornou a estender-se. Durante trinta anos,
pensou, eu quis ser um escritor, e agora sou um escritor, e que é que isso
significa?
O telefone tornou a tocar. Era o poeta Doug Eshlesham.
- Hank, querido...
- Sim, Doug?
- Estou duro, querido, preciso duns cinco dólares. Me passa
uns cinco.
- Doug, os cavalinhos acabaram comigo. Estou duro,
absolutamente.
- Oh – disse Doug.
- Desculpe, querido.
- Bem, tudo bem.
Doug desligou. Doug já lhe devia quinze paus. Mas ele tinha
os cinco. Devia ter dado a Doug. Provavelmente, Doug estava comendo comida de
cachorro. Não sou um cara muito legal, ele pensou. Nossa, não sou um cara muito
legal, enfim.
Estende-se na cama, pleno, em sua inglória (p.22).
[BUKOWSKI, Charles. Numa Fria. Editora: L&PM Pocket,
Porto Alegre, 2013]