Gabriel García Mârquez impressiona pelo enredo,
Hemingway pela discrição narrativa, Sartre pela filosofia. É possível ler “Cem
Anos de Solidão” sem intervalos devido à boa cadência da obra; “O Velho e o
Mar”, por sua vez, se lê devagar, porém, com breves pausas; já “A Idade da
Razão” exige longas rupturas reflexivas.
A obra começa com um pedido:
- Me dá qualquer
coisa, patrãozinho, tou com fome.
- Não será sede que
você tem? – indagou Mathieu.
A conversa se desenrola e o sujeito convida “o
patrão” para um trago:
- Te ofereço um rum.
- Hoje não.
Mathieu afastou-se
com um vago remorso. Houvera uma época em sua vida em que deambulava pelas
ruas, pelos cafés, como todo mundo, o primeiro cara podia convidá-lo. Agora,
tudo isso estava acabado. “Estou velho” – pensou (p.13-15).
Com esta passagem Sartre propõe uma reflexão a
cerca do verdadeiro sentido da liberdade: Mathieu era livre, no entanto, uma
sensação estranha impedia-o de se sentir assim. Por quê?
O mesmo sentimento se repete, num bar, no dia
seguinte:
- Aí esta o
champanha – disse ela alegremente.
Mathieu pegou a
garrafa e pensou: “Trezentos e cinquenta francos”. O sujeito que o abordara na
véspera, na Rua Vercingetorix, também estava liquidado, porém, modestamente,
sem precisar pagar trezentos e cinquenta francos por um champanha. Mathieu teve
nojo da garrafa: “Fede a vinho tinto barato”. O dancing inteiro pareceu-lhe um
pequeno inferno, leve como um bolha de sabão, e ele sorriu.
- De que está rindo?
– indagou Boris, rindo também de antemão.
- Estou me lembrando
de que eu também não gosto de champanha.
Puseram-se a rir os
três.
- Somos gozados! –
disse Boris.
Acrescentou:
- Pode-se jogar no
balde de gelo quando o garçom não estiver olhando.
- Se quiserem –
disse Mathieu.
- Não – atalhou
Ivich -, eu quero beber; eu bebo toda a garrafa, se ninguém quiser.
O garçom serviu e
Mathieu levou melancolicamente o copo aos lábios (p.208-209).
Era como se os personagens sartreanos
existissem pela metade, atormentados pela dificuldade de escolha, até mesmo de
uma escolha aparentemente simples: comprar ou não o champanha? A liberdade, ou
o que se fazia dela, neste caso, se assemelhava ao cárcere.
Nesta mesma noite, o filósofo francês, através
de seu personagem Mathieu, resolve, teoricamente, o dilema: Havia
pessoas que não existiam, eram vapores, e outras que existiam demais. O barman,
por exemplo. Pouco antes fumava um cigarro, vago e poético como um jasmineiro;
agora acordara, era demasiado barman, sacudia o shaker, abria-o, escorria a
espuma amarela nos copos, com gestos de uma precisão supérflua. Representava o
papel de barman. “Talvez não possa ser de outro modo; talvez seja preciso
escolher: não ser nada ou representar o que é” – concluiu (p.213-214).
(Trechos levemente adaptados).