sábado, 29 de novembro de 2014

Obsolescência Programada

Quando o PIB não cresce, a Economia entra em crise e, por consequência, a sociedade também. Desde a Revolução Industrial tem sido assim, mas, por quanto tempo ainda?
Os recursos naturais que a cem, duzentos anos, eram tidos como ilimitados, hoje estão em falta; o planeta está esgotado, os desastres climáticos se tornaram cada vez mais frequentes, cada vez mais globais; o consumismo predatório, nos moldes norte-americanos, já não é mais possível. E mesmo “crescendo a jato”, como cresce a China a 30 anos, com taxas que ultrapassam os 7% anuais, os padrões de vida continuam ruins - o ar de lá é uma cortina de fumaça e os rios, um esgoto a céu aberto. Em outras palavras, o PIB, por si só, é insuficiente para nos proporcionar a tão sonhada felicidade.
No documentário “Comprar, Tirar, Comprar” (direção de Cosima Dannoritzer; produção de Davina Breillet) se critica uma prática muito comum no meio empresarial, a chamada “obsolescência programada”; a grande indústria – automotiva, eletroeletrônica, têxtil, química – fabrica seus produtos com um tempo de duração pré-estabelecido, com o intuito de que “se acabem” logo, obrigando os consumidores a adquiri-los novamente. A própria Apple teria aderido à prática, através do tão celebrado iPod. A bateria deste aparelho, segundo o documentário, estaria programada para durar em média 18 meses, após esse período, se o cliente ligasse para a fabricante em busca de alternativas, seria orientado a comprar um novo, ao invés de “consertá-lo”. Assim, estimulando o consumismo, a empresa teria sua margem de lucro potencializada, em detrimento da sustentabilidade.
Ao descobrirem a fraude, um grupo de videoartistas, liderados por Casey Neistat, saiu pelas ruas de Nova Iorque pichando sobre as propagandas da Apple os dizeres “a bateria não substituível do iPod dura apenas 18 meses”. Em função do protesto, uma advogada de São Francisco, Elizabeth Pritzkar, que se sentia lesada pela multinacional, ingressou com uma ação na justiça – a falcatrua ganhou os noticiários e, após a constatação técnica do problema, a empresa da “maçã mordida” criou um serviço de troca de baterias e prolongou a garantia do iPod para dois anos. Indignada, Elizabeth desabafou:
- Algo que me chateia pessoalmente é que a Apple se apresenta como uma empresa moderna, jovem e avançada. No entanto, é no mínimo contraditório que uma empresa assim não tenha uma política ambiental que permita ao consumidor devolver os produtos para reciclagem e eliminação.
E não termina aí. O documentário ainda mostra que toda esta sucata tecnológica, resultante do descarte dos “produtos vencidos”, acaba indo parar nos países africanos, sob o pretexto de “reduzir o abismo digital”. O engraçado é que menos de 20% chega em condições de reaproveitamento.
Até quando isto? esta mentira, esta exploração dos mais fracos pelos mais fortes? até quando esta separação entre os povos, entre as pessoas, entre as classes? até quando o meio-ambiente aguenta? até quando o PIB continuará governando o planeta?

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Os deslimites da palavra

No dia 13/11/2014 faleceu Manoel de Barros, um dos mais importantes poetas brasileiros de todos os tempos. Sua poesia, de caráter artesanal, sempre me transmitiu paz de espírito, bondade, desmaterialização, sonho; a natureza, logo percebi, era um de seus temas prediletos, como se pode ver em “O apanhador de desperdícios”:
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
[...].
Mas não acaba aí. Ao mesmo tempo em que fala da natureza, Manoel de Barros fala do mundo, das pessoas, do valor da simplicidade, como se observa em “O fazedor de amanhecer”:
Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
Em termos de técnica, o poeta sul-mato-grossense também foi impressionante. Era dono de um estilo original e de um “conceito próprio” de poesia. Em “Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada”, percebe-se estas características:
V
Escrever nem uma coisa 
Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
VI
No que o homem se torne coisal,
corrompe-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana, 
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos,
um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.
Por fim, o resultado da soma de toda esta engenhosidade: uma imensa sabedoria, a capacidade de reinventar o sentido da vida pós-moderna. Depreende-se isto de “Acontecimentos”:
O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura
é o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada.
[...].
Manoel de Barros me faz pensar em Charles Chaplin, em Pablo Picasso, em filmes como “E. T. - O Extraterrestre”, em Gandhi, numa consciência universal. Salve a Literatura Brasileira!

domingo, 16 de novembro de 2014

A poesia como instrumento de revolução

No documentário “Ervilha da Fantasia”, de Werner Schumann, Paulo Leminski diz que “a poesia não possui uma razão de ser, um porquê”. Eu discordo - pra mim a poesia deve estar comprometida com a formação crítica do leitor.
A poesia não pode ser apenas rima ou trocadilhos ou sentimentalidades a arrancar suspiros de moças apaixonadas, a poesia deve ser, sobretudo, reflexão. A poesia deve ser um instrumento de transformação da sociedade, deve ser o ponto-de-encontro das massas oprimidas, deve fundir-se à vida e à política, deve romper fronteiras, deve entender que o leitor é mais do que um mero consumidor, é um cidadão.
No movimento artístico “Poema/Processo”, desenvolvido no período de 1967 a 1972, o signo verbal perde suas particularidades lógico-semânticas e dá lugar à visualidade pura, criando a possibilidade de uma linguagem e comunicação universais, isto é, procura-se criar um objeto artístico reprodutível que ultrapasse o texto, que seja tão ampliado que possa denominar uma passeata ou uma performance social. Entretanto, ao separar o que é língua de linguagem, a palavra passa a desempenhar um papel secundário, o que, na minha opinião, acaba restringindo a capacidade fundamental do poema, qual seja, a de verbalizar o mundo.
Enfim, como afirmou a poeta portuguesa Sophia Andersen: “É a poesia que desaliena, que funda a desalienação, que estabelece a relação inteira do homem consigo próprio, com os outros, e com a vida, com o mundo e com as coisas. E onde não existir essa relação primordial limpa e justa, essa busca de uma relação limpa e justa, essa verdade das coisas, nunca a revolução será real [...]. Compete à poesia, que é por sua natureza liberdade e libertação, inspirar e profetizar os caminhos [...]” (p.78).

[ANDERSEN, Sophia de Mello Breyner. Poesia e Revolução. In:_______ O Nome das Coisas. Lisboa: Moraes Editores, 1977]

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Por que eles mentiram?

Muitos atribuem as dificuldades em suas vidas à presidenta reeleita Dilma Rousseff, principalmente gente da alta sociedade e pessoas de censo comum. Mas, para estes, o que está ruim? o preço da gasolina? o aumento de impostos? a baixa competitividade da indústria brasileira? o atraso das obras públicas? os escândalos de corrupção? do que, exatamente, estas pessoas estão reclamando? Sai governo e entra governo e as notícias são as mesmas, as manchetes são as mesmas... no mandato de FHC também havia tudo isto, no de Getúlio Vargas também havia tudo isto, no de Juscelino Kubitschek também havia tudo isto, sempre houve e sempre haverá tudo isto. Então, por que continuam insistindo nos ataques contra a presidenta?
A resposta é óbvia: interesses privados. É do conhecimento de todos que, após ganhar as eleições, o governante tem de negociar a governabilidade e, para tanto, tem de se sentar à mesa com a oposição – ministérios, secretarias e presidência de grandes órgãos são o alvo. Sabendo que possui metade do eleitorado brasileiro a seu favor, a oposição tem-se utilizado dos meios de comunicação de massa para pressionar. Prova disto foi a notícia veiculada ontem, em horário nobre, pela principal emissora de TV aberta do país: “Cresceu o número de miseráveis”.
Bastou esta informação incompleta para que milhões de fantoches começassem a publicar calúnias e injúrias de todos os tipos nas redes sociais. Influenciados pelo que julgam ser “a verdade”, uma legião de anônimos criam (com a falsa impressão de que o fazem pelas próprias ideias) uma espécie de “cortina negra” que obrigará o governo reeleito a ceder mais do que o necessário em nome da chamada “governabilidade”, comprometendo, desse modo, a margem de atuação de Dilma.
Quem perde com isto, caro leitor, não são os poderosos – donos de empresas, socialites, banqueiros – quem perde com isto é você, sou eu, pois eles herdarão os altos cargos e os altos salários, e nós, o que sobrar desta disputa. Precisamos começar a duvidar das coisas, a informação correta era: “Cresceu o número de miseráveis, mas diminuiu o número de pobres”. Por que eles mentiram?

[Imagem de Pawel Kuczynski]

domingo, 2 de novembro de 2014

Mais do que uma vitória partidária

Em uma entrevista concedida à TV aberta, a presidenta reeleita Dilma Rousseff, falou sobre os quatro primeiros anos de seu governo e sobre seus objetivos futuros: “Em função da continuidade das políticas sociais iniciadas com Lula, os miseráveis se tornaram pobres, e muitos desses, por sua vez, ascenderam à classe média. Mas a distribuição de renda e o aumento dos salários, sozinhos, não serão capazes de manter estas conquistas. Para que os menos favorecidos continuem ascendendo, a educação é fundamental. Pois, sem estudo, nem os miseráveis nem os pobres poderão concorrer aos cargos que requerem mais conhecimento – juiz, promotor, delegado, diplomata – e que pagam melhor”. O ideal da presidenta, como o leitor pode perceber, se relaciona diretamente com o conceito de igualdade social.
Para o sujeito comum talvez não seja tão nítida esta divisão de classes, entretanto, ela ainda é abismal: “No Brasil, os 10% mais ricos têm renda média mensal 39 vezes maior que a dos 10% mais pobres” (p.8). No sistema financeiro, a concentração é ainda maior: “No Itaú, cada membro do Conselho de Administração recebeu, em média, R$ 15,5 milhões em 2013, conforme dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que representa 318,5 vezes o que ganhou o bancário do piso salarial” (p.8). E foi justamente esta minoria de abastados que tentou, de todas as formas, inclusive com a veiculação de denúncias infundadas nas mídias de massa, eleger Aécio Neves. Banqueiros privados, especuladores, economistas ortodoxos, toda essa gentinha ligada, direta ou indiretamente, ao FMI, queria o candidato tucano, não só porque ele seguiria à risca o receituário neoliberal, mas, sobretudo, porque ele, sendo um membro da elite branca, jamais se preocuparia de verdade com o pobre.
A reeleição de Dilma, portanto, representa muito mais do que uma mera vitória partidária, do PT, represente, antes de tudo, a vitória de um ideal humanitário.

[Folha Extra – Informativo do Sindicato dos Bancário de Blumenau e Região. In: Demissões: rotatividade nos bancos. Edição de maio de 2014]