Mostrei um poema à minha prima e, após um rápido
passar-de-olhos, ela sentenciou:
- Não tem rima!
Foi um choque pra mim – não por causa da opinião em si,
afinal, minha prima nunca nem ouviu falar em Mário Quintana, mas pelo fato de
que o senso comum pudesse pensar do mesmo jeito.
A poesia se divorciou da rima a mais de cem anos, com o
advento do Modernismo; Manuel Bandeira, em um de seus célebres poemas, disse
“estou farto do lirismo que não é libertação”; depois veio o Concretismo e seus
desdobramentos e o poema tornou-se processo; a obra “Unir”, de Walter Carvalho,
por exemplo, não possui sequer uma letra:
Hoje a poesia é tudo isso e muito mais, apesar de o senso
comum desqualificá-la implacavelmente – rimas e sentimentalidades são o fardo
que os poetas carregam, são o preço que os poetas pagam num mundo que só
entende de carros e só pensa em dinheiro. Porca miséria! abri o jornal e fui
ler. Dei de cara com um poema intitulado “Esperança”, de Letícia Mariano:
Olhe à sua volta,
Abra os olhos,
Perceba as sombras...
Acenda as luzes...
Observe o que está
Sendo feito
Em nosso Planeta!
Imagine um
Pôr do sol
Belo de se ver...
Deixe as luzes
Trazerem esperanças...
Os mares,
Os peixes,
A grama,
O trigo...
Tudo é vida!
Mais uma vez,
Olhe ao redor...
O quadro de escuridão
Se modifica...
Um mundo sem sombras,
Banhado de amor!
- Alegorias do inferno! – sentenciei.
Eu o teria escrito em bem menos linhas.
Olhe à sua volta,
Abra os olhos,
Perceba as sombras...
Os mares,
Os peixes,
A grama,
O trigo...
Tudo é vida!
[Poema extraído do Jornal Zero Hora – edição de 19 de março
de 2015, pág.44]