domingo, 29 de setembro de 2013

Consumismo: degradação humana

A Coca-Cola, o Facebook e os automóveis são produtos industriais de sucesso. Não há pessoa no mundo que não conheça estas manifestações do capitalismo ou, melhor, não há pessoa no mundo que não tenha contato diário com estas marcas.
Ao consumir, porém, o que estas empresas produzem, no ritmo em que o fazemos, deixamos de pensar no real motivo da existência destas coisas: o lucro privado. Incorporamos o hábito de beber coca-cola, de acessar o facebook e de andar de carro como se isto fosse, de fato, necessário. Tão necessário quanto escovar os dentes ou tomar café da manhã e, assim, passamos a viver uma vida que talvez não seja tão inofensiva quanto parece.
Ao beber coca-cola, bebemos também uma substância cancerígena chamada “caramelo IV”; acessando frequentemente o facebook, passamos a ter menos tempo para ler um livro; ao comprar um carro, ampliamos a emissão de gases tóxicos na atmosfera. Outra vez: ao beber coca-cola, deixamos de tomar um suco de laranja; acessando frequentemente o facebook, começamos a acreditar que a vida não é mais do que uma fotinho bonita; ao comprar um carro, a nossa sensação de “ser importante” aumenta.
Eu sei que você discorda de mim, mas, qual o seu argumento? O prazer? a normalidade? a tendência do mundo? Tudo bem, só não se esqueça de uma coisa: enquanto discutimos aqui, eles ganham dinheiro.

“O capitalismo se alimenta da carência. Mas não da carência por necessidade, que escraviza os pobres, e sim da carência no âmbito do desejo, que move o impulso do consumidor ocidental”.

[SANTOS, Laymert Garcia dos. Consumindo o Futuro. Folha de São Paulo, 27 de fevereiro, 2000. Caderno Mais!, p. 6-8 (pássim)]

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Por detrás dos panos

O poema O Açúcar, escrito por Ferreira Gullar, nos diz o que há por detrás dos panos: “O branco açúcar que adoçará meu café/ nesta manhã de Ipanema/ não foi produzido por mim/ nem surgiu dentro do açucareiro por milagre./ Vejo-o puro/ e afável ao paladar/ como beijo de moça, água/ na pele, flor/ que se dissolve na boca. Mas este açúcar/ não foi feito por mim./ Este açúcar veio/ de uma usina de açúcar em Pernambuco/ ou no Estado do Rio/ e tampouco o fez o dono da usina./ Este açúcar era cana/ e veio dos canaviais extensos/ que não nascem por acaso/ no regaço do vale (...)/ Em usinas escuras,/ homens de vida amarga/ e dura/ produziram este açúcar/ branco e puro/ com que adoço meu café nesta manhã de Ipanema”.
A oposição entre o branco do açúcar e o esforço de homens de vida amarga, caracteriza o processo de produção que se inicia nos canaviais, passa pela usina, pela mercearia do Oliveira, e termina no açucareiro, depois que o produto final é comercializado e consumido. Uma situação que se estende ao conjunto da sociedade. Por detrás da bela carta de amor que o apaixonado lê, esconde-se o trabalho incansável do carteiro; por detrás da bela pizza que o garçom joga sobre a mesa, esta o penoso trabalho do auxiliar de cozinha; por detrás dos belos edifícios do centro da cidade, oculta-se o árduo trabalho do servente: o capitalismo edifica-se às custas do operariado (p.8-9).

Mas quem vê o belo pacote de açúcar nas prateleiras do comércio, não percebe isto, e se ilude - um mundo doce.

[ARAÚJO, Diego. Formação do Mercado Mundial e Aburguesamento. Unesc (trabalho de conclusão de curso), SC, 2010, 54 páginas]

domingo, 15 de setembro de 2013

Diálogos

Fernando Nogueira da Costa é doutorado em Economia, é professor da Unicamp, foi vice-presidente de Finanças e Mercados de Capitais da Caixa Econômica Federal, entre outras coisas, e, atualmente, além de lecionar, edita o blog Cidadania & Cultura. Em uma das visitas que fiz à sua página na internet, deixei um comentário que gerou uma resposta que gerou outra resposta e, assim, se estabeleceu um diálogo.
FERNANDO: Querem Deus a seu lado e acreditam que estão a serviço dele – o que é isso, senão uma forma extrema de idealismo? Os crentes partem da conclusão para a prova.
DIEGO: Eles dizem “eu não participo deste sistema de coisas” e, no entanto, seus filhos frequentam a escola (o estabelecimento de ensino não é uma representação política da sociedade?). Enfim, penso que existem três hipóteses contra a Bíblia: os fósseis de dinossauros, a Teoria da Evolução (homem – macaco) e o homossexualismo (como fator psicossocial). Entretanto, se a religião não é importante do ponto de vista político-científico, ela é importante principalmente no momento da morte, quando o indivíduo perde a mãe, por exemplo.
FERNANDO: Confesso que não entendi o argumento da escola e nem o do homossexualismo. O último diz respeito à religião como consolo, não? Quanto às “hipóteses contra a Bíblia”, é necessário entender o que ela é. “Como as obras de Homero, a Bíblia hebraica (Antigo Testamento) é ambientada em fins do segundo milênio AEC (Antes da Era Comum), mas foi escrita mais de 500 anos depois. Em contraste com as obras de Homero, porém, a Bíblia é venerada hoje por bilhões de pessoas que a consideram sua fonte de valores morais. (…) Estudiosos modernos da Bíblia concluíram que ela foi um trabalho colaborativo nos moldes da nossa Wikipédia. Ela foi compilada no decorrer de 1/2 milênio por escritores que tinham diferentes estilos, dialetos, nomes de personagens e concepções de Deus, e então montada a esmo, o que a deixou repleta de contradições, duplicações etc.” (Steven Pinker, 2013: 42).
“Obviamente, não existem evidências diretas de coisa alguma que Jesus teria dito ou feito. As palavras atribuídas a Jesus foram escritas décadas depois de sua morte, e a Bíblia cristã, como a hebraica, é crivada de contradições, histórias sem confirmações e óbvias invenções. Enfim, se uma nos permite vislumbrar os valores de meados do primeiro milênio antes da Era Comum, a Bíblia cristã nos revela muita coisa sobre os dois primeiros séculos da Era Comum.” (Steven Pinker; 2013: 43).
Cabe essas obras antigas servirem como parâmetros para os valores de hoje?!
DIEGO: Com o argumento da escola eu quis traçar uma linha entre a prática e a teoria. Em outras palavras, na cidade onde eu moro é muito comum que religiosos preguem, nos domingos pela manhã, de casa em casa. Então, educadamente, eu os recebo. Eles dizem “Deus é o caminho e tudo esta na Bíblia”, e não aceitam nenhuma ideia que os contrarie. Quando a gente diz “eu li Marx, eu li fulano de tal”, eles respondem “tudo é filosofia vã”. O que é tranquilamente questionável: se eu não conheço os diferentes pontos de vista, como posso saber o que é a verdade?. Por fim, eles dizem que política não serve pra nada e que eles não se envolvem com política. Porém, eles próprios possuem carros e os filhos deles frequentam a escola e possuem perfis no Facebook. Carro, escola e Facebook não são manifestações políticas da sociedade? As ruas, por onde eles caminham, as roupas que eles vestem, a vida deles inteirinha não é uma manifestação política e histórica? No fundo, esses sujeitos participam sim deste sistema de coisas, só que não sabem.
O argumento do homossexualismo se refere a contemporaneidade desta manifestação. “É o que existe de mais original no século XX e XXI” – eu ouvi em algum lugar. Enfim, existe uma explicação científica para o homossexualismo. Uns dizem que é genético, outros dizem que é psicológico, um terceiro grupo diz que é social. Por exemplo, rapazes criados sem a presença do pai tem uma probabilidade maior de se tornarem gays. Entretanto, no livro de Gênesis, está escrito que Deus criou a mulher para que o homem não ficasse sozinho, não se fala, por exemplo, da possibilidade de pessoas do mesmo sexo se relacionarem. Entende? Porque é “errado” se é uma manifestação da natureza, assim como o nascimento o é?
FERNANDO: Entendi. Apenas quanto ao homossexualismo, veja o que a Wikipédia informa. “Ao longo da história da humanidade, os aspectos individuais da homossexualidade foram admirados, tolerados ou condenados, de acordo com as normas sexuais vigentes nas diversas culturas e épocas em que ocorreram. Quando admirados, esses aspectos eram entendidos como uma maneira de melhorar a sociedade; quando condenados, eram considerados um pecado ou algum tipo de doença, sendo, em alguns casos, proibidos por lei”.

domingo, 8 de setembro de 2013

Neocolonialismo

O mundo, em termos 
absolutos, é rico. Em termos relativos, porém, nem tanto. Quando comparamos a Nigéria ou a Costa do Marfim com os EUA percebemos isto: um imenso abismo econômico-financeiro. Mas, e se a riqueza do mundo fosse dividida igualmente entre os povos? Então cada país seria uma Espanha ou, no mínimo, uma Argentina – isto é, um lugar decente e, de certa forma, confortável para se viver.
Diante disto, a pergunta: porque umas nações se deram tão bem e outras se deram tão mal? Há duas respostas. A primeira esta relacionada aos méritos; os japoneses são disciplinados, os norte-americanos são competitivos, os alemães são rígidos e persistentes, enquanto que os brasileiros são preguiçosos, os russos são alcoólatras, os indianos são relaxados; até pode ser. A segunda resposta, por sua vez, é mais reveladora e importante, e esta relacionada à pilhagem, ao roubo e à trapaça. “Uma única bolsa de pimenta valia, na Idade Média, mais do que a vida de um homem, mas o ouro e a prata eram as chaves que o Renascimento empregava para abrir as portas do paraíso no céu e as portas do mercantilismo capitalista na terra [...]. Os indígenas foram completamente exterminados nas lavagens de ouro, na terrível tarefa de revolver as areias auríferas com a metade do corpo mergulhada na água, ou lavrando os campos até a extenuação, com as costas dobradas sobre os pesados instrumentos de aragem trazidos da Espanha. Muitos indígenas da Ilha Dominicana antecipavam-se ao destino imposto por seus novos opressores brancos: matavam seus filhos e se suicidavam em massa” (p.12).
A exploração foi mudando de forma. No século XVIII, por exemplo, os teórico burgueses do liberalismo econômico diziam que o livre-comércio traria benefícios iguais para todos – assim, os países com “vocação” agrícola deveriam se especializar na agricultura, e comprar os produtos industrializados da Europa. Hoje, Brasil e Argentina produzem milho e soja, EUA e Alemanha produzem carro e computador. Quem leva vantagem?
A sociedade é o resultado da História que, por sua vez, é o resultado das relações de poder. E pelo que se vê, a pilhagem de um pelo outro não tem fim. Vazou a informação de que os países do mundo estariam sendo espionados pelos norte-americanos. Com a desculpa do “combate ao terrorismo” eles interceptavam telefonemas e e-mails confidenciais de presidentes, empresários, cientistas, enfim, de todo mundo e, desta forma, auferiam vantagens de todos os tipos, sobretudo comerciais.
Até quando seremos surrupiados? Até quando prevalecerá este capitalismo sujo? Até quando você continuará bebendo Coca-cola, comendo McDonald’s e mexendo no Facebook, ou seja, levando a vida que eles [os donos do poder] querem que você leve?

[GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 201 páginas].

domingo, 1 de setembro de 2013

Sétimo Dia

Era domingo. Mas não era um domingo qualquer – a família estava de luto.
Morrera a mãe do melhor amigo, precocemente. Recebi a notícia no sábado à tarde e tratei logo de pegar um ônibus para comparecer ao enterro. Era o mínimo que eu podia fazer. Não sabia ao certo como agir nem o que falar, mas sabia que a presença era importante. Ver o amigo, abraçá-lo, escutá-lo, tudo isto fazia parte do meu papel.
Penso que, agora, depois da morte, haverá um momento de profunda dificuldade – mudança de casa, a sensação de não ter mais a pessoa amada, solidão, dúvidas e até medo – entretanto, conhecendo você do jeito que eu conheço e sabendo da sua capacidade emocional e artística, tenho certeza que este momento não se prolongará nem um minuto a mais do que o necessário. A saudade, é claro, esta é pra vida toda, mas aí já é um debate que está acima de nós.
Enfim, gostaria de retificar que você é bem mais do que um amigo, é um irmão, e que, mesmo à distância, estamos juntos.

Haverá um mistério?
[...]
Parece que o rumo das coisas não se importa,
a natureza, ou o que seja, mata e não se importa.
A natureza não é minha mãe.
Minha mãe se importava (p.86).

[BENSUSAN, Hilan. Comunista. In: (2000). Editora Komedi. Campinas, 2005, 110 páginas].