quinta-feira, 30 de abril de 2015

Revolução Moral

Na Etiópia, quando um homem engravida uma mulher antes do casamento, os envolvidos, direta e indiretamente, são condenados à morte. O “criminoso” é enterrado até o pescoço e depois recebe pedradas na cabeça; o pai da “criminosa” é fuzilado e a gestante permanece viva somente até o nascimento da criança. É olho por olho e dente por dente.
Ao assistir às cenas do apedrejamento – exibidas numa reportagem de Roberto Cabrini – fiquei horrorizado. O homem, no instinto, tentava desviar a cabeça, mas não havia chance – as pedras eram do tamanho de tijolos. Depois de um minuto ou dois ele parou de se mexer; eu também não me mexia, estava em choque; rezava para que fosse mentira, mas era verdade: o crânio do pobre-diabo havia sido amassado pelos golpes.
Naquela parte do mundo as coisas funcionavam assim, naquela parte do mundo quem infringisse as leis morria deste jeito – era cultural. Não sei se esta era a melhor maneiro de resolver os problemas, mas o “temor da morte violenta” certamente que inibia ou, no mínimo, fazia com que os infratores pensassem duas vezes antes de praticar atos proibidos. Naquela parte do mundo as coisas funcionava assim – para o bem ou para o mal. No Brasil as coisas não funcionam de nenhum jeito. Numa denúncia feita a um programa de televisão, os vereadores de Bela Vista – capital de Roraima – falsificavam notas fiscais, inventavam cursos de conteúdo sem memória e viagens para destinos que nunca foram e, quando questionados à respeito, faziam cara de deboche e desconversavam, certos da impunidade.
Sou contra matar pessoas a pedradas, mas se estes corruptos temessem alguma coisa, nem que fossem dez tapas na cara em praça pública, sem dúvida que a roubalheira iria diminuir. Já imaginou o Paulo Roberto Costa com a marca dos cinco dedos na bochecha? ou aquele cabelo, todo penteadinho do juiz Nicolau dos Santos Neto, revirado pelas bofetadas? Seria uma revolução.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Revolução Artística

O homem, tal como o conhecemos, existe a mais ou menos 150 mil anos; a civilização, propriamente dita, existe a mais ou menos 7 mil anos. Uma série de fatores – alguns desconhecidos – possibilitaram esta transição, entre eles, as bruscas mudanças climáticas que aumentaram as dificuldades para caçar, obrigando o homo sapiens moderno a procurar as margens dos rios onde acabou se fixando com a ajuda da agricultura e da domesticação de animais. O aumento do cérebro e, consequentemente, o aumento da capacidade de entendimento é outro fator. Em função dos nossos ancestrais possuírem menos força física em relação aos seus concorrentes – tigres, leões, crocodilos – o instinto de sobrevivência humano procurou equalizar esta disputa com a ampliação das forças mentais. O domínio do fogo, que data de 500 mil anos atrás, e o uso de ervas alucinógenas, no entanto, teriam sido os ingredientes decisivos para esta transição.
De acordo com o documentário Sobre como A Arte Construiu o Mundo II – O Dia em que as Imagens Nasceram os desenhos rupestres eram bem mais do que meras representações das caçadas primitivas, uma vez que as pinturas não reproduziam fidedignamente a realidade, mas um terceiro plano, surreal, quase cubista. A inspiração para tanto vinha dos ritos xamânicos – o equivalente à missa atual -que eram realizados em torno de uma fogueira e mediante o uso de maconha; esta combinação abria, como bem observou Jim Morrison, as "portas da percepção". As metamorfoses do fogo – faíscas, temperaturas e cores – associados aos efeitos da droga faziam com que os primitivos tivessem “visões” ou, como eles mesmos supunham, faziam com que as “almas falassem”.


O surrealismo quase cubista dos desenhos rupestres deriva daí – há linhas paralelas, grupos de pontos, círculos, círculos concêntricos, cruzes, espirais, triângulos e uma série de outras geometrias sobre ou ao redor de figuras humanas isoladas ou agrupadas em cenas de caça, guerra, trabalhos, relações sexuais, partos etecetera. 


O homem não estava simplesmente copiando o que ele via, mas capturando, de uma maneira inovadora, o mundo que o circundava. Este nascimento artístico, por assim dizer, ocorreu a 30 ou 40 mil anos atrás e foi o ponto fundamental para construção, por exemplo, do Império Babilônico, da Civilização Suméria e do Antigo Egito. Pois, como o homem, isolado no tempo e no espaço, poderia ter construído as Pirâmides de Gizé no meio do Saara sem o auxílio da imaginação-criativa?

sábado, 18 de abril de 2015

O Homem Personificado

Assisti a um documentário magnífico intitulado Sobre como a Arte fez o Mundo I onde se conjecturava sobre a possibilidade de a imaginação humana ter sido o nosso grande diferencial em relação as outras espécies.
Numa expedição arqueológica ao nordeste da Áustria, descobriu-se a primeira imagem esculpida que o homem teria feito de si mesmo, a chamada Vênus de Willendorf; a peça, apesar de intacta, não possuía os braços nem as feições do rosto, por outro lado, possuía os seios e o ventre grandes; tratava-se de uma mulher – constataram os estudiosos – mas o porquê d’ela ter sido feita daquela “maneira irreal” não se sabia. Em outras localidades descobriram-se estátuas semelhantes, mas, a 25 mil anos atrás, uma localidade não tinha contato com a outra; então por que as peças se pareciam? A resposta tem a ver com as características da época. Como houve uma mudança brusca no clima, as famílias, que eram nômades, começaram a sofrer com a falta de alimentos, com isso as possibilidades de perpetuação da espécie tornaram-se escassas e o homem, numa tentativa de se reinventar, imaginou-se fértil, como se fosse uma mulher grávida.


O documentário segue com a sua busca, investiga a civilização egípcia, a civilização grega e observa que também aí os artistas tenderam a distorcer a forma humana, tenderam a subverter a realidade.

Logo me recorreu uma passagem de Mário Quintana: “Desde pequeno, tive tendência para personificar as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: Vem pra dentro, menino, olha o mormaço! Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo. Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia lá pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição” (p.204).

[QUINTANA, Mário. Coisas & Pessoas. In: DOS SANTOS, Joaquim Ferreira (org.). As Cem Melhores Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007]

sábado, 11 de abril de 2015

Em busca da Iluminação

Desde de que li Sidarta, de Hermann Hesse, me tornei um admirador da doutrina budista. O motivo é um só: a conexão com a realidade. Enquanto o ideal cristão constrói-se com base em deuses, semideuses e espíritos, o budismo constrói-se com base na figura do mestre; enquanto o ideal cristão confere ao homem um papel central, o budismo iguala todos os seres vivos; enquanto o ideal cristão considera a felicidade como algo que pode ser alcançado somente após a morte, o budismo considera a felicidade como algo que pode ser alcançado ainda em vida.
título deste blog, ao contrário do que se possa imaginar, não faz referência à racionalidade cartesiana, mas à meditação budista que, por conceito, divide-se em duas fases: a samatha, que estimula a concentração, e a vipassana, que conduz ao entendimento. Assim, voltando-se para dentro de si mesmo, entrando em contato direto com sua natureza emocional, o homem – uma vez que conseguisse se organizar nesse sentido – teria mais lucidez para interagir com o mundo externo. Em outras palavras, partindo de uma conquista pessoal, já que os benefícios da meditação não podem ser atingidos sem esforços, o sujeito se credenciaria às práticas exigidas pela vida.


Os budistas ainda creem num ciclo de nascimento, morte e reencarnação. Esta última vai depender do carma (ações); logo, se a pessoa fizer boas ações, terá um bom carma e, consequentemente, uma reencarnação favorável. A existência, neste caso, iria diminuindo. O homem bom, numa segunda vida, se tornaria um gato; numa terceira vida, um hamster; numa quarta vida, uma borboleta... até desencarnar, até atingir o nirvana final. Deriva daí a máxima “não faça mal nem a uma mosca, pois a alma de sua avó pode estar nela”.
Em um vídeo que assisti, um mestre budista diz: "O que importa é a sua própria investigação. Você deve conhecer a realidade, não importa o que a escritura diz. No caso de haver um contradição entre, digamos, a Ciência e os ensinamentos sagrados, então você deve confiar na descoberta".

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Solidões Interativas

Em uma das passagens do livro Sociedade Midíocre, Juremir Machado da Silva diz: “Nas sociedades hipermodernas sem guerras, com expectativa média de vida ascendente e com jornadas de trabalho declinantes, o tempo livre tornou-se o grande problema. O que fazer dele? Pensou-se em fazer de todos os homens poetas, artistas e intelectuais. Mais uma utopia fracassada”. Nos tornamos consumidores; artistas pintam quadros, poetas leem livros, intelectuais promovem revoluções, nós não fazemos nada disso; nós andamos de carro. Como num filme que vi, intitulado American Graffiti, de 1973, onde quem possuísse a máquina mais potente era visto como o maioral, onde quem possuísse a máquina mais potente acabava transando com a mulher mais gostosa; numa cena reveladora, um idiota, que pegara o carrão do amigo para dar uma rolé, intima a mais cobiçada das garotas da cidade, ela se aproxima e, sem se importar com o sujeito, começa a analisar o carango, dizendo coisas do tipo “deve ser muito potente”, “adoro arrancar cantando rodas”; em resumo, trocava-se o serumano pelo objeto – um prenúncio do que hoje é absolutamente normal. Como agentes deste processo -completa Juremir - o carro e a televisão “tem agora a cumplicidade do computador, dos games, dos celulares, dos tabletes e de muitos gadgets sacralizados pelo poder de aliviar as pessoas do vazio humano cada vez mais evidente e produtor de doenças”. É como se o mundo houvesse se tornado um quadro de Edward Hopper:


O atentado contra o avião da Germanwings é a prova mais recente disto. Um homem, aparentemente normal, acima de qualquer suspeita, filho de um gerente de banco e de uma professora de piano, morador de um bairro de classe média alta, tido como uma pessoa boa pelos vizinhos, de repente, não mais do que de repente, mata 150 pessoas com uma cajadada só. Sua ex-namorada, em relato à polícia, disse que se separara de Andreas pois ele se comportava de uma maneira estranha, disse que ele era depressivo, que precisava de muito carinho na vida privada e que prometera a ela que um dia se tornaria conhecido no mundo todo. Pasmem, ó leitores, Andreas Lubitz protagonizou uma chacina em nome daqueles tão sonhados 15 minutos de fama. Abaixo a sociedade do espetáculo!