sexta-feira, 26 de julho de 2013

Necessidade de Existir

É preciso fazer alguma coisa. Não dá pra ficar, simplesmente, sentado na frente do computador. É preciso mais!
Ser uma boa pessoa, ter um filho, respeitar a mãe, criar um cachorro, trabalhar, assistir televisão, tudo isso é comum, tudo isso é o que sempre se espera. Mas a vida, não a que a sociedade nos cobra, mas a que clama a nossa alma, esta pede mais. Mais emoção, mais criatividade, mais acontecimento. É preciso fazer alguma coisa!
É preciso estudar, mas não só estudar, entender também; é preciso ter um amigo, mas não apenas um, vários; é preciso mudar de caminho; é preciso errar; é preciso conhecer o limite, mas para isto, antes, é preciso ultrapassá-lo; é preciso olhar para dentro e refletir; é preciso sair às ruas; é preciso voltar pra casa; é preciso que a chuva venha e que molhe a terra; é preciso gritar alto, para que o eco chegue aos ouvidos; é preciso trabalhar, para não cair na vadiagem.
No fundo, meus amigos, até o ódio é necessário. Mas não aquele ódio interior que fica se remoendo, sou bem mais aquele ódio barraqueiro que diz desaforos e cospe na cara.
Esta sociedade-bala-de-iogurte, que deseja manterá as aparências a todo custo (porque pensa que o mundo é uma simulação de computador), que vá pro inferno! Longe de mim pessoas sem pensamento alternativo! Longe de mim adoradores de automóveis! Longe de mim interesseiros e bisbilhoteiros de plantão! Longe de mim você que me olha com a cara fechada!
Um poema de Murilo Mendes:

Adivinho nos planos da consciência
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!

Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.

[Esta obra, intitulada “O Homem, a luta e a eternidade”, foi publicado na revista “Letras e Artes”, em 07 de novembro de 1948 – Rio de Janeiro, na seção “Páginas da Poesia Moderna”].

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A Engrenagem do Mundo

Todo sistema possui uma peça fundamental, no caso, uma engrenagem. As nações possuem presidentes, as tribos possuem pajés, as bibliotecas possuem livros e as sociedades, dependendo do ponto de vista, possuem a “vontade divina”, o idealismo ou a luta de classes.
Hegel, o mais importante filósofo alemão da primeira metade do século XIX, ao tentar unificar todo o conhecimento num vasto sistema lógico e racional concluiu que “tudo o que existia, devido às suas contradições, tendia a extinguir-se Mais ainda: o espírito criava a realidade, as idéias possuíam independência diante dos objetos, o mundo era uma projeção da mente” (p.56). A luta de classes rompe com esta doutrina. Em sua tese, “Marx e Engels argumentam que seria necessário situar o estudo da sociedade a partir de sua base material” (p.57). Ou seja, antes de produzir arte, política, filosofia ou qualquer outro tipo de intelectualidade, o indivíduo deveria possuir um teto, roupas e o que comer e, portanto, trabalhar, pertencer a uma classe. A “vontade divina”, por sua vez, parte de um outro ângulo. Não é a fantasia nem a ação humana a engrenagem do mundo, mas sim, uma força superior, Deus.
Acreditar no quê? Pra mim, o pensamento hegeliano se aproxima do cristão, afinal, imaginar que “as coisas extinguem-se por si mesmas” é igual a crer que “tudo acontece pelas mãos de um ser superior”. Mas eu não vejo isso. Há intenções por detrás dos fatos. A miséria não é obra do acaso, as guerras, os atentados terroristas, o crescimento econômico, o estilo de vida norte-americano, nada disso me parece “o desdobramento natural das coisas”, muito menos “obra do acaso”.
Parafraseando Manuel Bandeira:
- Que me importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? O que eu vejo é o beco.

[MARTINS, Benedito Carlos. O que é Sociologia? Editora Brasiliense, SP, 1991, 29° edição, 98 páginas].

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Que Rumo Tomará o Brasil?

No curso de Economia o estudo da contemporaneidade do sistema produtivo brasileiro vai do último quarto do séc. XIX até meados do séc. XX, quando se inicia o processo de industrialização do país, e se encerra atualmente, no governo Dilma. Neste texto, entretanto, a contemporaneidade será recortada, começa com o governo FHC (1994) e se encerra com as manifestações populares do mês passado.

Fernando Henrique Cardoso controlou a inflação, Lula estendeu a cobertura social, Dilma reduziu os juros – estes foram os principais legados dos respectivos mandatos. Para crescer, porém, os dois presidentes e a presidenta utilizaram-se do mesmo artifício: estímulo ao consumo. Este modelo atingiu o ápice em 2007 e, hoje, encontra-se esgotado – milhões de automóveis, bilhões de celulares, computadores, viagens de avião, geladeiras, televisores, tudo pra todos, em contrapartida, rodovias em farrapos, portos entupidos, falta de mão-de-obra qualificada, aeroportos sobrecarregados, corrupção. O modelo se esgotou e a paciência do povo também. Se a criatividade dos nossos governantes não passar da “via do consumo” para a “via da infraestrutura” a inflação será, eternamente, uma questão mais importante do que o crescimento. (Eis o problema).
E pelo que me parece, nem PT nem PSDB são capazes de atender aos novos anseios do povo. O “modus operandi”, tanto da Esquerda quanto da Direita, está viciado. É preciso uma terceira opção. Já nas últimas eleições isto aconteceu: Dilma (numa ponta) e José Serra (na outra), representando o pensamento tradicional e correto, Marina Silva e Plínio de Arruda (menos visíveis), representando o pensamento alternativo.
Que rumo tomará o Brasil? O rumo da Direita, contrária aos pobres e a tudo o que é público? O rumo da esquerda, que deseja que até os miseráveis se endividem com a compra de carros populares, mas que não constrói ruas? Ou o rumo do pensamento alternativo, que se importa com o meio-ambiente e, pelo menos no discurso, ainda possui ideias criativas?

"Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor” (p.10).

[ROUSSEAU, Jean-Jacques. In: Do Contrato Social. Versão para eBook (eBooKsBrasil.com), 211 páginas]. 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Existencialismo

Teoricamente a expressão existencialismo é um conceito, porém, na prática, é uma circunstância da vida. Através da literatura de Dostoieviski, percursor desta corrente filosófica, é possível perceber, nitidamente, de que maneira uma coisa se encaixa na outra: “A miséria é um pecado” – começa ele – “um miserável não possui o direito ao livre-arbítrio” (p.21). Apesar de acreditar em Deus, o escritor russo pensava que, quando privado do mínimo, quer dizer, sem amor nenhum ou sem condição material nenhuma, o homem se corrompia, mesmo que não quisesse. “Isso eu já sabia, há meio ano apenas pensara nisso, precisamente nisso, que Dunietchka [sua irmã] tem muita resignação. Uma vez que pode suportar o Sennhor Svidrigailov [casamento de aparência] com as suas conseqüências” (p.40). Svidrigailov era um advogado razoavelmente bem de vida; com este casamento Dunietchka poderia salvar o irmão e a mãe da miséria: “Oh, sim, se for preciso, afogamos o nosso senso moral, a liberdade, a tranqüilidade, a consciência, tudo, tudo, por qualquer preço. Adeus vida, contanto que os nossos entes queridos sejam felizes” (p.40). Prossegue em pensamento: “Assim, dessa maneira, poderei pagar-lhe a Universidade, torna-lo ajudante de advogado, resolver todo o seu futuro” (p.40-41). Rascolnikov, após ter lido a carta da mãe e refletido sobre o seu conteúdo, sentenciou: “Não permitirei” (p.41). Era o cúmulo – a irmã trocar a própria alma por uma comodidade supérflua. Entretanto, depois da raiva, caiu em si e deteve-se: “Mas como evitar? Que podes prometer-lhes, para teres algum direito? Consagrar-lhes todo o seu destino, todo o teu futuro, quando tiveres terminado os teus estudos e conseguido um emprego? Mas nós sabemos o que é isso: castelos no ar! Era preciso fazer qualquer coisa agora, compreendes? E o que fazes agora? Pede-lhes dinheiro! Como as defenderá tu, futuro milionário? Daqui a dez anos? Mas, dentro de dez anos, a tua mãe estará cega de tanto fazer tricô, e de tanto chorar, e de tanto passar fome. E a tua irmã? Vamos, é preciso pensar o que poderá ser da tua irmã daqui a dez anos ou durante esses dez anos [prostituta?]. Não és capaz de adivinhá-lo?” (p.41-42).

“Fosse o que fosse, era preciso tomar uma decisão, ou renunciar completamente à vida!” – estremeceu, espantado. “Aceitando o destino docilmente, de uma vez por todas, abafando tudo no seu íntimo, renunciando o direito a agir, a viver e a amar” (p.42). Agora ou nunca? – o último pensamento. 

[DOSTOIEVSKI, Fiódor. In: Crime e Castigo. Editora Ouro, Rio de Janeiro, 1960].