quinta-feira, 24 de maio de 2012

Poetas Marginais

Chama-se de “poeta marginal” o versejador que não é Mário Quintana, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, ou seja, o versejador desconhecido. Segundo o livro de Português e Literatura para o ensino médio, esta vertente literária surgiu no início da década de 1970 em resposta ao “bloqueio sistemático das editoras, que consideravam que não era lucrativo publicar poetas desconhecidos”. Assim, ainda sem o auxílio da internet de massa, a poesia marginal apareceu, primeiro, “em pequenos livros mimeografados ou impressos por outros processos [...]. Por estarem à margem das editoras, serem produzidos e vendidos pelos próprios autores, deu-se a eles o nome de marginais.
Conheci um destes na edição de 2005 do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Caminhava pela zona do Cais, enquanto esperava o horário de uma palestra sobre globalização e capitalismo, quando ouvi os primeiros versos:

“Lula subiu no parlatório
Depois subiu escadas pomposas, aviões reservados a poucos, elevadores exclusivos.
Subiu nas alturas onde se fala mais do que se escuta.
Subiu nas alturas onde poucas vozes têm eco.
Mas Lula subiu sozinho.

Tento ajeitar meu coração para que ele continue batendo.
Lula subiu sozinho.
[...]”

(BENSUSAN, Hilan. “Segunda parte: A falta que uma classe faz”. In: Comunista. Campinas, Editora Komedi, 2005, p.105).


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A instantaniedade com que a internet permite ao ser humano encontrar todo tipo de informação exige questionamento: de quê modo tirar o melhor proveito disto? Os blog’s dos poetas marginais, na minha opinião, representam uma forma de bom uso desta tecnologia.
Por não ser vendável, o gênero permite ao escritor um sentimento mais profundo, calcado nas primeiras impressões do íntimo, logo, mesmo que não tenha o refinamento literário dos grandes mestres, terá, sempre, o desejo mais verdadeiro, isto é, o desejo de alguém que escreve, antes de tudo, pela necessidade de fazer parte de um mundo melhor:

Crer ou não crer
Não quero acreditar apenas no óbvio
No realisticamente perfeito
No esperado.
Deixem me concentrar no lúdico
No que dificilmente será
Mas que também pode ser.
Enquanto restar-me esperança
Acreditarei no impossível
E em toda insensatez.
Alguém tem que acreditar nestas coisas.
Do contrário, o mundo seria
Demasiadamente simples
Milimetricamente correto
E totalmente sem graça.

(BECK, Pascale Terra. Crer ou Não Crer. In: Pés i Mundos. Porto Alegre, Instituto Estadual do Livro: CORAG, 2000, 70p.).

12 comentários:

  1. Hemingway era também um poeta: "A lua afeta o mar tal como afeta as mulheres" (em O Velho e o Mar).

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  2. Rama Si é um dos poetas marginais que mais aprecio.
    Eis um dos textos dele:

    Um paradoxo

    Há possibilidade no cosmo vasto
    De que eu coma uma noz sem que eu sinta fome,
    Sem que haja razão para fazê-lo
    Exceto a de que existe a possibilidade de ser feito.
    Esse fato reveste-se da mais alta importância.
    Enquanto for possível a um homem comer uma noz
    Sem que sinta fome,
    Sem que haja razão para fazê-lo
    Exceto a de que existe a possibilidade de ser feito,
    Não haverá uma única verdade no mundo.

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  3. Outros poemas marginais que aprecio:

    DO CORAÇÃO

    Sentou-se, no ônibus, ao lado de um desconhecido
    E foram felizes para sempre.

    (Gabriela Cantergi).

    SINAL VERMELHO

    Pare.
    Olhe.
    Escute.
    A vida esta passando...

    (Diego Araújo da Rosa)

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  4. Aprecio muito este poema. Em sua abordagem ele engloba temas complexos, como sustentabilidade ambiental e revolução política, sem deixar de ser simples, e leve.

    APONTAMENTOS DE VERÃO

    A vida pode ser leve
    A vida pode ser breve
    A vida só não pode ser fugaz
    A vida só não pode ser fingimento

    E se parássemos
    para olhar o infinito sobre o mar?
    Se parássemos por um instante,
    quem atuaria no plano tecnológico, político, pedagógico?

    Cadê a Escola com jeito de casa?
    Como aprender sobre a vida num lugar sem vida?

    É preciso que o movimento no Cairo se universalize
    É preciso decretar que nenhuma árvore será derrubada
    Derrubem os homens, deixem as árvores

    Que o litoral seja decretado lugar de todos
    para que nós acampemos quando pudermos
    e aves, bichos e plantas voltem à vida

    Façamos a revolução!

    (Suzana Mafra)

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    1. É importante que se diga, Roberto, que a Suzana Mafra é uma poeta premiada. Foi a primeira colocada no concurso OFF FLIP, em 2010, na categoria poesia.

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  5. Este poema não possui refinamento literário, no entanto, é calcado nas primeiras impressões do íntimo - a linguagem se impõe como forma de compreensão do indivíduo por si mesmo.

    DOMINGO

    à cada
    domingo
    que passa,
    o suicídio
    me faz
    cada vez
    mais
    sentido.

    (Mica)

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  6. Este poema foi um dos escolhidos no concurso Poemas no ônibus e no trem.
    Jardineiro

    Cultivo você em mim
    com a uma orquídea, à sombra.
    Cultivo você em mim
    desta forma delicada,às vezes, travessa.
    Cultivo você em mim
    com certo desamparao e silêncio.
    Cultivo você em mim
    com o zelo de um jardineiro ao seu jardim.

    Daniel Ribeiro

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    1. Lindo poema! O amor exige trabalho, mas, em troca, dá uma orquídea. E, para os versejadores, não existe tema mais inspirador:
      "Ela tem cabelos cacheadinhos
      e fala engraçado
      Não sei não,
      mas eu acho que Trocinha usa o seu 'sutaque' pra me conquistar".

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  7. Eis o comentário que fiz no blog de uma "poetisa marginal":

    "A impressão que dá é que você vai falando mais um pouco, mais um pouco... tirando o fôlego da gente.

    O conteúdo desta sua obra é de uma riqueza sem fim. Você fala sobre Deus, sobre mudar o mundo, sobre apagar rancores, vai dando uma verdadeira lição de moral no leitor, no entanto, sem ofender. Além disso, é um poema jovem, transmite exatamente a sua adolescência, isto significa que a sua arte tem vida. Parabéns!"

    Eis alguns versos do texto, intitulado "Extraordinário!":

    As coisas da vida sempre acontecerão
    inclusive coisas que não deviam fazer parte da vida.
    Mas se for reclamar com Deus ele dirá:
    "Se quer exigir algo, exija de você."

    (Caroline Mello)

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  8. Belíssima passagem. Descritiva, ampla, clara, inteligente. Retirada do poema "O Amor em Três Atos":

    Eu insisti.
    Ainda sentia um resto de força,
    um muito de vontade.
    Me joguei. Se for abismo, que seja em voo livre.
    Te pedi para voltar, para entra onde nunca saiu,
    assentar trono onde é teu território, sendo meu.
    Refrescando a memória,
    lembrando que o amor conhece a esperança,
    e que a esperança salva, faz vida.

    (ToN)

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  9. Mais um belo exemplo de poesia marginal. Nesta obra o autor aborda o tema "civilização" com uma linguagem muito própria; seu modo de escrever não permite que o leitor conclua alguma coisa, antes disto, coloca-o num labirinto de pensamentos. Belíssimo!

    CENSORES

    e Deus fez as roupas e nasceu o pecado

    (bem pequeno e com todas as partes devidamente cobertas)

    esse é um legado ao ocidente disse
    e há de tomar o mundo
    como a irredutível necessidade
    de criação de um sistema econômico
    prático e que proporcione conforto
    a um preço lucrativo e discreto

    temos calças então guardamos
    nossa auréola no bolso
    entre cinzas de cigarro e
    moedas que estão lá desde sempre

    o plano é uniformizar toda forma de vida
    na terra

    serumanos primeiro
    pra dar o exemplo

    (Silvério Bittencourt)

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