Chama-se de “poeta marginal” o versejador que
não é Mário Quintana, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, ou seja, o versejador
desconhecido. Segundo o livro de Português e Literatura para o ensino médio,
esta vertente literária surgiu no início da década de 1970 em resposta ao
“bloqueio sistemático das editoras, que consideravam que não era lucrativo
publicar poetas desconhecidos”. Assim, ainda sem o auxílio da internet de
massa, a poesia marginal apareceu, primeiro, “em pequenos livros mimeografados
ou impressos por outros processos [...]. Por estarem à margem das editoras,
serem produzidos e vendidos pelos próprios autores, deu-se a eles o nome de marginais”.
Conheci um destes na edição de 2005 do Fórum
Social Mundial, em Porto Alegre. Caminhava pela zona do Cais, enquanto esperava
o horário de uma palestra sobre globalização e capitalismo, quando ouvi os
primeiros versos:
“Lula subiu no
parlatório
Depois subiu escadas
pomposas, aviões reservados a poucos, elevadores exclusivos.
Subiu nas alturas
onde se fala mais do que se escuta.
Subiu nas alturas
onde poucas vozes têm eco.
Mas Lula subiu
sozinho.
Tento ajeitar meu
coração para que ele continue batendo.
Lula subiu sozinho.
[...]”
(BENSUSAN, Hilan. “Segunda parte: A falta que
uma classe faz”. In: Comunista. Campinas, Editora Komedi, 2005, p.105).
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A instantaniedade com que a internet permite ao
ser humano encontrar todo tipo de informação exige questionamento: de quê modo
tirar o melhor proveito disto? Os blog’s dos poetas marginais, na minha
opinião, representam uma forma de bom uso desta tecnologia.
Por não ser vendável, o gênero permite ao
escritor um sentimento mais profundo, calcado nas primeiras impressões do
íntimo, logo, mesmo que não tenha o refinamento literário dos grandes mestres,
terá, sempre, o desejo mais verdadeiro, isto é, o desejo de alguém que escreve,
antes de tudo, pela necessidade de fazer parte de um mundo melhor:
Crer ou não crer
Não quero acreditar
apenas no óbvio
No realisticamente
perfeito
No esperado.
Deixem me concentrar
no lúdico
No que dificilmente
será
Mas que também pode
ser.
Enquanto restar-me
esperança
Acreditarei no
impossível
E em toda insensatez.
Alguém tem que
acreditar nestas coisas.
Do contrário, o
mundo seria
Demasiadamente
simples
Milimetricamente
correto
E totalmente sem
graça.
(BECK, Pascale Terra. Crer ou Não Crer. In: Pés i Mundos. Porto Alegre, Instituto Estadual do Livro: CORAG, 2000, 70p.).
Hemingway era também um poeta: "A lua afeta o mar tal como afeta as mulheres" (em O Velho e o Mar).
ResponderExcluirRama Si é um dos poetas marginais que mais aprecio.
ResponderExcluirEis um dos textos dele:
Um paradoxo
Há possibilidade no cosmo vasto
De que eu coma uma noz sem que eu sinta fome,
Sem que haja razão para fazê-lo
Exceto a de que existe a possibilidade de ser feito.
Esse fato reveste-se da mais alta importância.
Enquanto for possível a um homem comer uma noz
Sem que sinta fome,
Sem que haja razão para fazê-lo
Exceto a de que existe a possibilidade de ser feito,
Não haverá uma única verdade no mundo.
muito bom
ExcluirOutros poemas marginais que aprecio:
ResponderExcluirDO CORAÇÃO
Sentou-se, no ônibus, ao lado de um desconhecido
E foram felizes para sempre.
(Gabriela Cantergi).
SINAL VERMELHO
Pare.
Olhe.
Escute.
A vida esta passando...
(Diego Araújo da Rosa)
Aprecio muito este poema. Em sua abordagem ele engloba temas complexos, como sustentabilidade ambiental e revolução política, sem deixar de ser simples, e leve.
ResponderExcluirAPONTAMENTOS DE VERÃO
A vida pode ser leve
A vida pode ser breve
A vida só não pode ser fugaz
A vida só não pode ser fingimento
E se parássemos
para olhar o infinito sobre o mar?
Se parássemos por um instante,
quem atuaria no plano tecnológico, político, pedagógico?
Cadê a Escola com jeito de casa?
Como aprender sobre a vida num lugar sem vida?
É preciso que o movimento no Cairo se universalize
É preciso decretar que nenhuma árvore será derrubada
Derrubem os homens, deixem as árvores
Que o litoral seja decretado lugar de todos
para que nós acampemos quando pudermos
e aves, bichos e plantas voltem à vida
Façamos a revolução!
(Suzana Mafra)
É importante que se diga, Roberto, que a Suzana Mafra é uma poeta premiada. Foi a primeira colocada no concurso OFF FLIP, em 2010, na categoria poesia.
ExcluirEste poema não possui refinamento literário, no entanto, é calcado nas primeiras impressões do íntimo - a linguagem se impõe como forma de compreensão do indivíduo por si mesmo.
ResponderExcluirDOMINGO
à cada
domingo
que passa,
o suicídio
me faz
cada vez
mais
sentido.
(Mica)
Este poema foi um dos escolhidos no concurso Poemas no ônibus e no trem.
ResponderExcluirJardineiro
Cultivo você em mim
com a uma orquídea, à sombra.
Cultivo você em mim
desta forma delicada,às vezes, travessa.
Cultivo você em mim
com certo desamparao e silêncio.
Cultivo você em mim
com o zelo de um jardineiro ao seu jardim.
Daniel Ribeiro
Lindo poema! O amor exige trabalho, mas, em troca, dá uma orquídea. E, para os versejadores, não existe tema mais inspirador:
Excluir"Ela tem cabelos cacheadinhos
e fala engraçado
Não sei não,
mas eu acho que Trocinha usa o seu 'sutaque' pra me conquistar".
Eis o comentário que fiz no blog de uma "poetisa marginal":
ResponderExcluir"A impressão que dá é que você vai falando mais um pouco, mais um pouco... tirando o fôlego da gente.
O conteúdo desta sua obra é de uma riqueza sem fim. Você fala sobre Deus, sobre mudar o mundo, sobre apagar rancores, vai dando uma verdadeira lição de moral no leitor, no entanto, sem ofender. Além disso, é um poema jovem, transmite exatamente a sua adolescência, isto significa que a sua arte tem vida. Parabéns!"
Eis alguns versos do texto, intitulado "Extraordinário!":
As coisas da vida sempre acontecerão
inclusive coisas que não deviam fazer parte da vida.
Mas se for reclamar com Deus ele dirá:
"Se quer exigir algo, exija de você."
(Caroline Mello)
Belíssima passagem. Descritiva, ampla, clara, inteligente. Retirada do poema "O Amor em Três Atos":
ResponderExcluirEu insisti.
Ainda sentia um resto de força,
um muito de vontade.
Me joguei. Se for abismo, que seja em voo livre.
Te pedi para voltar, para entra onde nunca saiu,
assentar trono onde é teu território, sendo meu.
Refrescando a memória,
lembrando que o amor conhece a esperança,
e que a esperança salva, faz vida.
(ToN)
Mais um belo exemplo de poesia marginal. Nesta obra o autor aborda o tema "civilização" com uma linguagem muito própria; seu modo de escrever não permite que o leitor conclua alguma coisa, antes disto, coloca-o num labirinto de pensamentos. Belíssimo!
ResponderExcluirCENSORES
e Deus fez as roupas e nasceu o pecado
(bem pequeno e com todas as partes devidamente cobertas)
esse é um legado ao ocidente disse
e há de tomar o mundo
como a irredutível necessidade
de criação de um sistema econômico
prático e que proporcione conforto
a um preço lucrativo e discreto
temos calças então guardamos
nossa auréola no bolso
entre cinzas de cigarro e
moedas que estão lá desde sempre
o plano é uniformizar toda forma de vida
na terra
serumanos primeiro
pra dar o exemplo
(Silvério Bittencourt)