quinta-feira, 17 de maio de 2012

Gabriel García Mârquez

Nesta passagem de “Cem Anos de Solidão”, o escritor colombiano descreve uma família em crise. Meme, a filha adolescente, desenvolvera um duplo caráter: “A sua felicidade estava no outro extremo da disciplina, nas festas ruidosas, nos fuxicos de namoro, em trancar-se prolongadamente com as amigas em cantos onde aprendiam a fumar e conversavam assuntos de homem, e onde uma vez passaram a mão em três garrafas de rum e acabaram nuas, medindo e comparando as partes do corpo”. O seu dualismo, como se vê, pendia mais para a rebeldia do que para a disciplina. Mas, apesar de autodestrutivo, era questionador e, portanto, inteligente. “Tinha passado duas horas tremendas no quarto de uma amiga, chorando de rir e de medo, e no outro lado da crise encontrara o estranho sentimento de valentia que lhe faltara para fugir do colégio e dizer à mãe, com estas e com outras palavras, que ela podia muito bem tomar uma lavagem de clavicórdio. Sentada na cabeceira da mesa, tomando um caldo de galinha que lhe caía no estômago como um elixir de ressurreição, Meme viu, então, Fernanda [a mãe] e Amaranta [a tia-avó] envoltas no halo acusador da realidade”. A consciência crítica da adolescente despertava contra a autoridade materna que, no seu entender, era dissimulada e, afetivamente, incapaz. “Desde as segundas férias que sabia que o pai só vivia em casa para salvar as aparências, e conhecendo Fernanda como conhecia, e tendo dado um jeito, mais tarde, de conhecer Petra Cotes [a amante], dera razão ao pai. Ela também teria preferido ser filha da concubina. No embotamento do álcool, Meme pensava com deleite no escândalo que teria provocado se, naquele momento, tivesse expressado os seus pensamentos e foi tão intensa a satisfação íntima da picardia que Fernanda percebeu.
- O que é que há com você? – perguntou.
- Nada – respondeu Meme. – É que só agora descobri o quanto amo vocês”.

(Trechos extraídos das páginas 259-260).

4 comentários:

  1. Como influências que considera importantes, García Mârquez aponta Virginia Woolf, Faulkner, Kafka e Hemingway, do ponto de vista técnico. E acrescenta: "Do ponto de vista literário, As Mil e Uma Noites, o primeiro livro que li, aos sete anos, Sófocles e meus avós maternos."

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  2. Diego, li Garcia Marques quando terminei o mestrado. Gostei muito. Tanto que uma das minhas epigrafes do meu livro Formação Economica de Santa Catarina é dele.
    O amor nos tempos do cólera!

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    1. É importante frisar que a obra do professor Alcides Goularti Filho “Formação Econômica de Santa Catarina” é um clássico do gênero. Fiz uma leitura parcial do livro na época de graduação, durante os seis meses em que estudei a cadeira de Economia Catarinense, ministrada pelo próprio Alcides. Conforme a sinopse da obra “o autor descreve e analisa a formação econômica de Santa Catarina desde 1880, na perspectiva de longa duração dentro de um sistema nacional de economia [...]”. Quer dizer, a sociedade, em especial a catarinense, é pensada a partir do seu contexto histórico, logo, a sua configuração atual é entendida como o resultado de um processo, do qual as instituições sociais – Igreja, economia, indivíduo, Estado (política) e família – são os agentes. Esse modo de pensar encontra paralelo em “Cem Anos de Solidão”. Na obra de García Mârquez, a sociedade também é o resultado de um processo histórico e, portanto, humano, apesar de o autor finalizar o livro dando a entender que as profecias bíblicas são a verdade: “Macondo já era um pavoroso rodamoinho de poeira e escombros, centrifugado pela cólera do furacão bíblico, quando Aureliano [Babilonia] pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e começou a decifrar o instante em que estava vivendo [...]” (p.394). Em outras passagens, porém, o colombiano descreve as condições de vida dos trabalhadores: “Os operários da companhia estavam amontoados em barracos miseráveis. Os engenheiros, em vez de construir latrinas, traziam para os acampamentos, no Natal, um reservado portátil para cada cinqüenta pessoas e faziam demonstrações públicas de como utilizá-los para que durassem mais” (p.286). Esta situação se desdobraria numa guerra armada que, historicamente, alteraria a configuração do povoado de Macondo, tanto quanto as profecias.

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  3. Morreu, ontem (17/04/2014), Gabriel García Marquez. Conheço-o da leitura de sua obra mais famosa “Cem Anos de Solidão”, um verdadeiro clássico da Literatura de todos os tempos. Traçando um paralelo entre este livro e outros que li, digo que o romance do colombiano é superior à Crime e Castigo, de Dostoievski, à Metamorfose, de Kafka, à Idade da Razão, de Sartre, à O Velho e o Mar, de Hemingway, entre outros. Enfim, é difícil medir o tamanho deste sulamericano.

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