quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Sociedade do Espetáculo


A tragédia na boate de Santa Maria, com a morte de mais de duzentos e trinta jovens, trouxe a tona o debate sobre a segurança nos ambientes de festa. O poder público, como que despertado por mágica, saiu às ruas para vistoriar casas de show, fechando, na semana seguinte à tragédia, milhares delas em todo o país. O espetáculo, no caso, mobilizou o Estado. Do dia pra noite passou a ser necessário o alvará de prevenção de incêndio. É como se a sociedade estivesse esperando por uma alguma coisa - uma revelação interior, como diria Sartre – para agir; foi espetacular.
Este episódio me fez recordar outro. Depois da passagem do furacão Sandy pelos EUA, uma brasileira, que no dia estava em Nova York, publicou fotos suas na internet, tendo como plano de fundo a catástrofe. Em seguida, algum internauta pegou a foto da brasileira e fez uma sátira, colocando a sua imagem no lugar do boneco pintado por Edvard Munch, em "O Grito". É como se a necessidade de se tornar notícia fosse a coisa mais importante do mundo; foi espetacular.
Como escreveu Guy Debord: "O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada" (In: A Sociedade do Espetáculo, Editora: eBooKLibris, 2003, p.9). É exatamente isto: a separação generalizada, a separação entre as pessoas que, atraídas pelo espetáculo, se reúnem em torno da tragédia ou da notícia ou de qualquer outra coisa que lhes desperte a atenção; se reúnem, mas nem por isto estão juntas, apenas têm a impressão de estarem juntas, quando na verdade estão separadas por um imenso abismo.

Os seres humanos da nossa época, parados como são, precisam de algo que os mobilize, que os faça agir, porque, pelas próprias forças, eles não são capazes, eles são vazios e não encontram motivação alguma dentro de si mesmos.
É o caso da personagem de Michael Houellebeq, em seu romance Extensão do Domínio da Luta: "Na sexta-feira à noite, fui convidado para uma festa na casa de um colega de trabalho [...]. Em certo momento, uma abobada começou a despir-se. Tirou a camiseta, depois o sutiã, a saia, sempre fazendo volteios inacreditáveis. Ainda girou sem calcinha durante alguns segundos. Enfim, não vendo mais o que fazer, decidiu recobrir-se" (Editora: Sulina, 2011, p.9). 

4 comentários:

  1. Muito bom, Diego! Gostei muito do seu blog e concordo plenamente quando você diz que o ser humano por si só não encontra motivos para agir, falando da maioria. Acredito que as pessoas se escondem atrás de suas crenças e temores, e essas mesmas crenças e temores são o que fazem o ser humano querer ser alguém melhor. Não apenas por convicção e caráter, mas por uma força externa que o impulsiona. Falta reflexão e auto-conhecimento.

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    1. Eu acho que falta uma referência, um líder, alguém que sirva de exemplo para os outros. Todos os dias um novo escândalo de corrupção, os artistas mais preocupados com as suas vaidades do que com a idéia de “mudar o mundo”, o papa renunciando – é isso que desmotiva! Sem uma referência o ser humano se volta cada vez mais pra si.

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  2. dois braços
    duas pernas
    dois olhos
    vinte dedos
    e só um cérebro

    ta aí o erro.
    (Gustavo Souza).

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  3. Nosso tempo, sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado.
    Feuerbach — Prefácio à segunda edição de “A Essência do Cristianismo”.

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