quinta-feira, 4 de julho de 2013

Existencialismo

Teoricamente a expressão existencialismo é um conceito, porém, na prática, é uma circunstância da vida. Através da literatura de Dostoieviski, percursor desta corrente filosófica, é possível perceber, nitidamente, de que maneira uma coisa se encaixa na outra: “A miséria é um pecado” – começa ele – “um miserável não possui o direito ao livre-arbítrio” (p.21). Apesar de acreditar em Deus, o escritor russo pensava que, quando privado do mínimo, quer dizer, sem amor nenhum ou sem condição material nenhuma, o homem se corrompia, mesmo que não quisesse. “Isso eu já sabia, há meio ano apenas pensara nisso, precisamente nisso, que Dunietchka [sua irmã] tem muita resignação. Uma vez que pode suportar o Sennhor Svidrigailov [casamento de aparência] com as suas conseqüências” (p.40). Svidrigailov era um advogado razoavelmente bem de vida; com este casamento Dunietchka poderia salvar o irmão e a mãe da miséria: “Oh, sim, se for preciso, afogamos o nosso senso moral, a liberdade, a tranqüilidade, a consciência, tudo, tudo, por qualquer preço. Adeus vida, contanto que os nossos entes queridos sejam felizes” (p.40). Prossegue em pensamento: “Assim, dessa maneira, poderei pagar-lhe a Universidade, torna-lo ajudante de advogado, resolver todo o seu futuro” (p.40-41). Rascolnikov, após ter lido a carta da mãe e refletido sobre o seu conteúdo, sentenciou: “Não permitirei” (p.41). Era o cúmulo – a irmã trocar a própria alma por uma comodidade supérflua. Entretanto, depois da raiva, caiu em si e deteve-se: “Mas como evitar? Que podes prometer-lhes, para teres algum direito? Consagrar-lhes todo o seu destino, todo o teu futuro, quando tiveres terminado os teus estudos e conseguido um emprego? Mas nós sabemos o que é isso: castelos no ar! Era preciso fazer qualquer coisa agora, compreendes? E o que fazes agora? Pede-lhes dinheiro! Como as defenderá tu, futuro milionário? Daqui a dez anos? Mas, dentro de dez anos, a tua mãe estará cega de tanto fazer tricô, e de tanto chorar, e de tanto passar fome. E a tua irmã? Vamos, é preciso pensar o que poderá ser da tua irmã daqui a dez anos ou durante esses dez anos [prostituta?]. Não és capaz de adivinhá-lo?” (p.41-42).

“Fosse o que fosse, era preciso tomar uma decisão, ou renunciar completamente à vida!” – estremeceu, espantado. “Aceitando o destino docilmente, de uma vez por todas, abafando tudo no seu íntimo, renunciando o direito a agir, a viver e a amar” (p.42). Agora ou nunca? – o último pensamento. 

[DOSTOIEVSKI, Fiódor. In: Crime e Castigo. Editora Ouro, Rio de Janeiro, 1960].

Um comentário:

  1. "Viver é isso: ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências" (Sartre).

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