Teoricamente a expressão existencialismo é um conceito, porém, na prática, é uma
circunstância da vida. Através da literatura de Dostoieviski, percursor desta
corrente filosófica, é possível perceber, nitidamente, de que maneira uma coisa
se encaixa na outra: “A miséria é um pecado” – começa ele – “um miserável não
possui o direito ao livre-arbítrio” (p.21). Apesar de acreditar em Deus, o
escritor russo pensava que, quando privado do mínimo, quer dizer, sem amor
nenhum ou sem condição material nenhuma, o homem se corrompia, mesmo que não
quisesse. “Isso eu já sabia, há meio ano apenas pensara nisso, precisamente
nisso, que Dunietchka [sua irmã] tem muita resignação. Uma vez que pode
suportar o Sennhor Svidrigailov [casamento de aparência] com as suas conseqüências”
(p.40). Svidrigailov era um advogado razoavelmente bem de vida; com este
casamento Dunietchka poderia salvar o irmão e a mãe da miséria: “Oh, sim, se
for preciso, afogamos o nosso senso moral, a liberdade, a tranqüilidade, a
consciência, tudo, tudo, por qualquer preço. Adeus vida, contanto que os nossos
entes queridos sejam felizes” (p.40). Prossegue em pensamento: “Assim, dessa
maneira, poderei pagar-lhe a Universidade, torna-lo ajudante de advogado,
resolver todo o seu futuro” (p.40-41). Rascolnikov, após ter lido a carta da mãe
e refletido sobre o seu conteúdo, sentenciou: “Não permitirei” (p.41). Era o
cúmulo – a irmã trocar a própria alma por uma comodidade supérflua. Entretanto,
depois da raiva, caiu em si e deteve-se: “Mas como evitar? Que podes
prometer-lhes, para teres algum direito? Consagrar-lhes todo o seu destino,
todo o teu futuro, quando tiveres terminado os teus estudos e conseguido um
emprego? Mas nós sabemos o que é isso: castelos no ar! Era preciso fazer
qualquer coisa agora, compreendes? E o que fazes agora? Pede-lhes dinheiro!
Como as defenderá tu, futuro milionário? Daqui a dez anos? Mas, dentro de dez
anos, a tua mãe estará cega de tanto fazer tricô, e de tanto chorar, e de tanto
passar fome. E a tua irmã? Vamos, é preciso pensar o que poderá ser da tua irmã
daqui a dez anos ou durante esses dez anos [prostituta?]. Não és capaz de
adivinhá-lo?” (p.41-42).
“Fosse o
que fosse, era preciso tomar uma decisão, ou renunciar completamente à vida!” –
estremeceu, espantado. “Aceitando o destino docilmente, de uma vez por todas,
abafando tudo no seu íntimo, renunciando o direito a agir, a viver e a amar”
(p.42). Agora ou nunca? – o último pensamento.
[DOSTOIEVSKI, Fiódor. In: Crime e Castigo. Editora Ouro, Rio de Janeiro, 1960].
"Viver é isso: ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências" (Sartre).
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