Já vi artistas importantes e influentes falarem “política
não é comigo” ou “eu não tenho partido”, como se dissessem “isso não faz parte
da minha vida”, o que põe em evidência uma das grandes lacunas da sociedade
atual: a falta de lucidez por parte daqueles que são capazes de decidir pelos
outros ou, de outra maneira, a falta de líderes com uma compreensão unificada
dos problemas e das necessidades do mundo.
Mas esta deficiência não é uma característica exclusiva dos
dias de hoje, as guerras existentes em todos os períodos da humanidade são a
prova disto. É claro que existe um denso debate teórico por detrás destas
explicações, Marx, por exemplo, diria que a “luta de classes é o motor da
História”, mas, concepções a parte, é quase impossível fugir da máxima que diz:
guerras são decisões políticas.
O que leva os homens a se matarem, uns aos outros, em
massa, senão os interesses econômicos e particulares de seus governantes? o que
leva os homens a construírem tanques, bombas nucleares, muros que separam
territórios, canhões, senão a vontade política dos legisladores? ou, invertendo
o lado, porque um homem, que poderia viver em paz, se atiraria, de forma
violenta, contra seus semelhantes, pondo em risco não apenas a sua própria
segurança, mas também a de sua família? porque um homem teria preferência pela
infelicidade, podendo ser feliz? A resposta é óbvia: não é o sujeito, sozinho,
fechado em seu próprio mundo, quem decide. A resposta é óbvia: antes de ser uma
escolha particular, a vida é uma escolha institucional, ou seja, acima da nossa
vontade, está a vontade das nossas representações, sobretudo representações
políticas.
O “inferno na Terra”, portanto, é feito pela falta de
lucidez daqueles que são capazes de decidir pelos outros. A chamada “nuvem da
morte” – um dos mais pavorosos métodos de guerra já implantados, invenção do
químico Fritz Harber – é a prova disto: “[...] no dia 22 de abril de 1945. Por
volta das 5 e meia da tarde, soldados argelinos e marroquinos – convocados nas
colônias francesas da África – avistaram uma nuvem esverdeada que se
aproximava, soprada por uma brisa suave. O estranho nevoeiro logo preencheu as
trincheiras. No início, nada aconteceu: a nuvem de cheiro doce apenas causou
cócegas nas narinas dos soldados. Mas, em segundos, o veneno fez efeito.
Centenas de homens sentiram os pulmões em chamas e caíram no chão, com bolhas
espumantes brotando da garganta. E morreram asfixiados, com braços contorcidos
e rostos escuros. Outros tantos se levantaram, em pânico, e tentaram fugir das
trincheiras, mas a maioria foi metralhada e pelos alemães posicionados do outro
lado. Em dez minutos, 6 mil homens estavam mortos; outros milhares ficaram
aleijados” (p.33).
[Revista Aventuras na História. In: A Guerra da Lama.
Editora: Abril. Edição: 130, maio de 2014]
“O declínio espiritual da Terra é tão avançado que os povos estão ameaçados de perder ‘o senso de direção’ que lhes permitiria ao menos ver e estimar como tal essa decadência. O maior medo surge, portanto, da própria impossibilidade de ver a crise – o medo obscuro – ou melhor, o medo provocado por ‘grandes maquinações’ [políticas], que jogam o homem contra si mesmo, sem o saber” (Heidegger).
ResponderExcluirEm uma carta de 14 de dezembro de 1914, o capitão inglês Noel Chavasse descreveu um grupo de soldados escoceses após três dias nas trincheiras em Kemmel, no norte da França: “Eles ficaram 72 horas com água e lama até o joelho, e é horrível vê-los saindo de lá de dentro. Já não parecem jovens, nem parecem homens. Jamais vi algo assim. Parecem criaturas bestiais”.
ResponderExcluir“Nós, a civilização, agora sabemos que somos mortais” (Paul Valéry, In: A Crise do Espírito).