domingo, 13 de julho de 2014

Conversa Civilizada

Eu considero a Literatura o gênero mais importante das Ciências Sociais; é óbvio que os romances não possuem a cientificidade da Economia, do Direito e da Sociologia, por outro lado, estas não possuem a delicadeza de um poema nem são capazes de misturar tantos temas e assuntos no mesmo texto e em tão poucas palavras quanto um crônica é. Num conto, por exemplo, é possível abordar o aspecto psicológico do serumano, é possível filosofar, é possível explicar uma teoria e, ao mesmo tempo, contar uma história.
Numa crônica que li estes dias, intitulada “A Conversa”, Luis Fernando Verissimo analisa o comportamento humano numa situação extrema, a saber, o encontro inesperado entre Samuel (o amante), Lourdes (a adultera) e Marcão (o corno).
“Ela disse:
-Estamos indo pra aí.
Samuel não entendeu.
- ‘Estamos’?
- O Marcão e eu. Ele sabe do nosso caso.
[...]
- Eu só achei que deveria lhe avisar. Em cinco minutos estaremos aí”.
A primeira reação do amante foi de desespero:
“- Lourdes, você enlouqueceu? Ele vai me bater. O Marcão é o dobro do meu tamanho!”.
Num segundo momento, depois de respirar, as primeiras reflexões:
“Fugir, pensou Samuel. Era a única coisa a fazer. Covardemente. Abjetamente. Mas fugir. Ou ficar?”.
Num terceiro momento, a análise das possibilidades:
“O Marcão só quer ter uma conversa civilizada. Em conversa civilizada, eu ganho... Ou então a Lourdes contou tudo porque teve uma recaída e descobriu que prefere o troglodita. Misturou remorso com decepção e quer ver o maridão quebrar a cara do amante insatisfeito”.
(Era difícil tentar entender, ainda mais em cinco minutos). Num quarto momento, o plano de ação:
“Soou a campainha do interfone. Eles tinham chegado. Fugir não era mais uma opção. Samuel foi até a cozinha, pegou uma faca e escondeu-a embaixo da almofada do sofá. Para ser usada ou não, conforme transcorresse a conversa”.

Um livro de Psicologia precisaria de pelo menos 30 páginas para explicar porque o amante optara por esconder uma faca embaixo da almofada do sofá.

[Jornal Zero Hora. In: Caderno Donna ZH. 16 de março de 2014]

Um comentário:

  1. O trecho em que o amante imagina como começar a conversa é sensacional:

    "Esperar atrás da porta e golpear a cabeça do brutamontes com uma frigideira? Ou ele deveria - civilizadamente - receber o casal, indicar onde poderiam sentar-se para começar a conversa, oferecer um cafezinho ou, quem sabe, um uisquinho? E começar a conversa, como?".

    Um outro trecho sensacional, quando o amante filosofa sobre uma possível "nova moral":

    "Ela sabe que eu vou enrolar o Marcão, é isso. Que eu vou convencer o Marcão de que somos pessoas modernas, que hoje em dia a mulher ter um amante é lisonjeiro para o marido. Que não existe nada mais antigo e superado do que marido quebrar a cara de amante. Depois da nossa conversa o Marcão vai me agradecer por estar comendo a sua mulher e introduzindo-o na nova moral, tornando-o um autêntico homem do novo século".

    Você é um homem moderno ou antigo?

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