sábado, 3 de janeiro de 2015

Escrever é a ponta do iceberg

Os livros de poesia estão ultrapassados – não se encontra nada de diferente. São sempre os mesmos – Quintana, Drummond, Gullar, Bandeira – os bons e velhos modernistas, nada contra, sou fã incondicional de todos, mas, e os poetas novos, não existem?
Nas páginas de Literatura e nos blog’s há uma penca deles; escrevem por um tempo e depois desaparecem; alguns participam de concursos literários, vencem e param. É muito difícil encontram quem se interesse continuamente por poesia, não sei se pela falta de perspectiva negocial ou pela falta de uma “nova corrente” que revolucione a forma e o conteúdo do texto, não sei, o fato é que as estantes das livrarias estão modernistas demais. Não é que a poesia tenha morrido, não é isso, ela existe nos calendários, nos e-mails, nas mensagens de natal, nas festas de formatura, no meio acadêmico, ela existe, o problema é que ela nunca vira livro.
E quando vira, é aquela mesmice sem fim: versos sobre versos, recheados com palavras enigmáticas, falando de amor ou de sentimentos reprimidos ou, como diria Nicolas Behr “versos insossos, inodoros, insípidos, incolores, inócuos e inconseqüentes”. Quase nunca se vê o “poema/processo”, com o seu simbolismo universal, ou mesmo o “poema concreto”, com a sua linguagem tipográfica, geométrica; e quando estes aparecem, não são inteligentes. Há uma espécie de conservadorismo entre os poetas – ou são puritanos demais ou saudosistas demais ou modernistas demais ou concretistas demais (ou são de-menos?). Não há diálogo entre os versejadores; há competição, pra ver quem escreve melhor. A verdade é que a poesia se tornou algo inútil, se tornou uma abstração sem prática; os jovens, os de meia-idade e os mais velhos produzem poemas por produzir, por passatempo, e depois guardam os textos ou os publicam na linha do tempo das redes sociais, mas, como a maioria “não curte”, aquilo vai sumindo, aquilo vai deixando de ser importante, vai ficando nas entrelinhas.
A “nova poesia”, se é que ela existe, deve ser capaz de repensar este cenário, deve ser capaz de abocanhar as diferentes temáticas, de promover a aproximação entre as diferentes correntes, de escapar da beleza por si só, de estimular a difusão do pensamento crítico, a produção do texto informativo, não-piegas, multicanal, reflexivo. Em “Poesia e composição”, João Cabral de Melo Neto escreve: “Primeiro, o jovem autor vai procurando-se entre os autores de seu tempo, identificando-se primeiro com uma tendência, depois com um grupo já de orientação bem definida, depois com o que ele considera o seu autor, até o dia em que possa dar expressão ao que nele também é diferente desse seu autor” (p.727). A pergunta é: quando este dia chegará?

[NETO, João Cabral de Melo. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1999]

Um comentário:

  1. Por uma nova poesia

    Há espaço para a poesia contemporânea no Brasil? Os jornais e as revistas reservam, em suas edições, pequenos campos, que mal chegam a uma página; a mídia televisiva volta-e-meia relembra um poeta já falecido; na escola, os livros didáticos apenas resgatam a História; nas universidades se produz bastante, se bem que sempre relacionado ao estudo de obras antigas; nas livrarias há seções de Literatura, onde raramente se encontram poetas novos; nas ruas, em algumas cidades se divulgam poemas em ônibus, praças ou passeios públicos, mas, de uma maneira muito pontual; há pichações também, de pouco sentido; na internet, se encontra bastante coisa em blog’s, redes sociais e sites especializados; no âmbito de incentivo à cultura, os concursos literários existem em abundância, permitindo que escritores desconhecidos publiquem amostras de suas obras em antologias. Mas a poesia, enquanto instrumento de transformação da sociedade, enquanto ponto-de-vista existencial, não possui um espaço significativo no Brasil, como o que a música possui, por exemplo. Talvez porque não exista uma poesia contemporânea brasileira?
    Não sei, acho que sim. Quase nunca se vê o “poema/processo”, com o seu simbolismo universal, ou mesmo o “poema concreto”, com a sua linguagem tipográfica, geométrica; e quando estes aparecem, não são inteligentes. Há uma espécie de conservadorismo entre os poetas – ou são puritanos demais ou saudosistas demais ou modernistas demais ou concretistas demais (ou são de-menos?). Não há diálogo entre os versejadores; há competição, pra ver quem escreve melhor. A verdade é que a poesia se tornou algo inútil, se tornou uma abstração sem prática; os jovens, os de meia-idade e os mais velhos produzem poemas por produzir, por passatempo, e depois guardam os textos ou os publicam na linha do tempo das redes sociais, mas, como a maioria “não curte”, aquilo vai sumindo, aquilo vai deixando de ser importante, vai ficando nas entrelinhas.
    Acho que está faltando EXCITAÇÃO, em letras grandes mesmo. Algo do tipo “geração mimeógrafo”, algo “não-alinhado”: “porque só escrever não basta”, porque “escrever é a ponta do iceberg”, porque “um poeta não se faz com versos”, coisas assim. Não há um espaço significativo para a poesia contemporânea brasileira porque sua fórmula é aquela mesmice careca: versos sobre versos, recheados com palavras enigmáticas, falando de amor ou de sentimentos reprimidos. A poesia de hoje, meus amigos, não tem sabor nem ideologia nem nome nem livro nem atitude nem heroísmo nem bandeira, nada. Só isso. Como diria Nicolas Behr:

    viva a poesia que liberta!

    viva a poesia que paga
    as contas no final do mês!

    viva a poesia que não existe!

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