sábado, 10 de janeiro de 2015

Carta à Nicolas Behr

Caro Nicolas,

Recebi, com imenso prazer, o seu livro Iniciação à Dendrolatria. Obra muito humana, que tenta resgatar a importância do meio-ambiente, que de uma maneira indireta combate o consumismo “casa de madeira/ mesa de madeira/ lápis de madeira”, que recondiciona o nosso olhar sobre o mundo, como na obra Manifesto Clorofila, quando você diz “as árvores dominam o planeta/ e escolhem as modelos mais/ gostosas para enfeitar/ suas praças”; aliás, todos os seus trabalhos seguem essa linha reflexiva, contracultural. Quando você cria “Braxília”, você tenta fazer da cidade um “lugar mais afetivo”, digamos assim; quando, na sua juventude, você publicava mimeógrafos, você protestava... E a sua atividade de poeta não se restringe somente à escrita, o que também é de se elogiar; você dá palestras, envia livros por correio, é fundador de ONG’s, participa de documentários, enfim, neste sentido, você consegue dar à poesia (que é uma coisa muito teórica, muito introspectiva) um caráter prático, social. Acredito que os poetas devam seguir esta linha – transportando o texto escrito para a realidade, transformando o mundo a sua volta. Uma prova do poder transformador da poesia é o ataque ao jornal Charlie Hebdo; os cartoons que o veículo publicava atingiam a moral dos extremistas, um simples cartoon, um desenho, algo muito parecido com um poema, que também é simples.
Fiquei surpreso quando abri o livro e vi uma passagem de Khalil Gibran Khalil; se fala tão pouco sobre este escritor libanês. Eu, particularmente, leio-o desde criança; suas parábolas são divinas, por exemplo, no texto O Louco, em que o personagem vai viver num hospício, por escolha própria, e quando indagado sobre os motivos, responde:
- Meu pai queria fazer de mim uma reprodução de si próprio; o mesmo queria meu tio. Minha mãe pretendia fazer de mim a imagem de seu ilustre genitor. Minha irmã considerava seu marido marinheiro o exemplo perfeito que eu deveria seguir. Meu irmão achava que eu tinha de ser como ele, um excelente atleta. E meus professores também. O de Filosofia, o professor de música, o de lógica, cada um queria que eu não fosse senão o reflexo de sua própria face. Desta forma, vim para este lugar. Acho a convivência mais sadia.
Como diria Celso Furtado, filósofo universal, “devemos pensar a partir da nossa própria cabeça”; é claro que jamais seremos 100% originais no sentido da criação, no sentido de “produzir o novo”, mas, em alguma medida, é importante tentar, é importante reinventar, deixar de ser uma mera cópia.
Realmente, como você disse no outro e-mail, Iniciação à Dendrolatria possui uma “índole concretista”. As palavras distribuídas sobre a folha, de modo a aproveitar melhor os espaços; o desenho da página 49; as setas da página 51; o homem em forma de H2O, na página 67; a capa do livro “Raízes do Brasil”, como se fosse um poema, na página 68; a fonte das letras, que varia de texto pra texto; pra mim, estes elementos tornam o livro mais interessante; já de cara, no folhear das páginas, o leitor se sente instigado e, a partir desta primeira leitura, seguem-se outras.

o ipê não floriu?
corta o ipê!

a mão não floriu
corta a mão!

Adorei o presente.
Abraços, Diego.

Um comentário:

  1. É importante que se diga "Iniciação a Dendrolatria" é um livro de poemas que cultua as árvores, ou seja, que tem por objetivo resgatar a importância deste ser vivo dentro da sociedade.

    Para tanto, o poeta Nicolas Behr inverte os papeis, colocando as árvores no lugar dos homens e vice-versa, como neste trecho:

    as árvores dominam o planeta
    e os móveis das suas casas
    são feitos de ossos humanos

    as árvores dominam o planeta
    e fertilizam o solo
    com carne humana, moída

    as árvores dominam o planeta
    e quando têm frio
    queimam grande quantidade
    de carne humana, congelada,
    estocada permanentemente
    no pólo norte

    Em um outro poema, o poeta faz uma analogia:

    plantei estas árvores
    há muitos anos

    meus filhos também cresceram

    ninguém vai cortar meus filhos

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