Caro Nicolas,
Recebi, com imenso prazer, o seu livro Iniciação à
Dendrolatria. Obra muito humana, que tenta resgatar a importância do
meio-ambiente, que de uma maneira indireta combate o consumismo “casa de
madeira/ mesa de madeira/ lápis de madeira”, que recondiciona o nosso olhar
sobre o mundo, como na obra Manifesto Clorofila, quando você diz “as árvores
dominam o planeta/ e escolhem as modelos mais/ gostosas para enfeitar/ suas
praças”; aliás, todos os seus trabalhos seguem essa linha reflexiva,
contracultural. Quando você cria “Braxília”, você tenta fazer da cidade um
“lugar mais afetivo”, digamos assim; quando, na sua juventude, você publicava
mimeógrafos, você protestava... E a sua atividade de poeta não se restringe
somente à escrita, o que também é de se elogiar; você dá palestras, envia livros
por correio, é fundador de ONG’s, participa de documentários, enfim, neste
sentido, você consegue dar à poesia (que é uma coisa muito teórica, muito
introspectiva) um caráter prático, social. Acredito que os poetas devam seguir
esta linha – transportando o texto escrito para a realidade, transformando o
mundo a sua volta. Uma prova do poder transformador da poesia é o ataque ao
jornal Charlie Hebdo; os cartoons que o veículo publicava atingiam a moral
dos extremistas, um simples cartoon, um desenho, algo muito parecido com um
poema, que também é simples.
Fiquei surpreso quando abri o livro e vi uma passagem de
Khalil Gibran Khalil; se fala tão pouco sobre este escritor libanês. Eu,
particularmente, leio-o desde criança; suas parábolas são divinas, por exemplo,
no texto O Louco, em que o personagem vai viver num hospício, por escolha
própria, e quando indagado sobre os motivos, responde:
- Meu pai queria fazer de mim uma reprodução de si próprio;
o mesmo queria meu tio. Minha mãe pretendia fazer de mim a imagem de seu
ilustre genitor. Minha irmã considerava seu marido marinheiro o exemplo
perfeito que eu deveria seguir. Meu irmão achava que eu tinha de ser como ele,
um excelente atleta. E meus professores também. O de Filosofia, o professor de
música, o de lógica, cada um queria que eu não fosse senão o reflexo de sua
própria face. Desta forma, vim para este lugar. Acho a convivência mais sadia.
Como diria Celso Furtado, filósofo universal, “devemos
pensar a partir da nossa própria cabeça”; é claro que jamais seremos 100%
originais no sentido da criação, no sentido de “produzir o novo”, mas, em
alguma medida, é importante tentar, é importante reinventar, deixar de ser uma
mera cópia.
Realmente, como você disse no outro e-mail, Iniciação à
Dendrolatria possui uma “índole concretista”. As palavras distribuídas sobre a
folha, de modo a aproveitar melhor os espaços; o desenho da página 49; as setas
da página 51; o homem em forma de H2O, na página 67; a capa do livro “Raízes do
Brasil”, como se fosse um poema, na página 68; a fonte das letras, que varia de texto pra texto; pra mim, estes elementos tornam o livro mais interessante;
já de cara, no folhear das páginas, o leitor se sente instigado e, a partir
desta primeira leitura, seguem-se outras.
o ipê não floriu?
corta o ipê!
a mão não floriu
corta a mão!
Adorei o presente.
Abraços, Diego.
É importante que se diga "Iniciação a Dendrolatria" é um livro de poemas que cultua as árvores, ou seja, que tem por objetivo resgatar a importância deste ser vivo dentro da sociedade.
ResponderExcluirPara tanto, o poeta Nicolas Behr inverte os papeis, colocando as árvores no lugar dos homens e vice-versa, como neste trecho:
as árvores dominam o planeta
e os móveis das suas casas
são feitos de ossos humanos
as árvores dominam o planeta
e fertilizam o solo
com carne humana, moída
as árvores dominam o planeta
e quando têm frio
queimam grande quantidade
de carne humana, congelada,
estocada permanentemente
no pólo norte
Em um outro poema, o poeta faz uma analogia:
plantei estas árvores
há muitos anos
meus filhos também cresceram
ninguém vai cortar meus filhos