quinta-feira, 2 de abril de 2015

Solidões Interativas

Em uma das passagens do livro Sociedade Midíocre, Juremir Machado da Silva diz: “Nas sociedades hipermodernas sem guerras, com expectativa média de vida ascendente e com jornadas de trabalho declinantes, o tempo livre tornou-se o grande problema. O que fazer dele? Pensou-se em fazer de todos os homens poetas, artistas e intelectuais. Mais uma utopia fracassada”. Nos tornamos consumidores; artistas pintam quadros, poetas leem livros, intelectuais promovem revoluções, nós não fazemos nada disso; nós andamos de carro. Como num filme que vi, intitulado American Graffiti, de 1973, onde quem possuísse a máquina mais potente era visto como o maioral, onde quem possuísse a máquina mais potente acabava transando com a mulher mais gostosa; numa cena reveladora, um idiota, que pegara o carrão do amigo para dar uma rolé, intima a mais cobiçada das garotas da cidade, ela se aproxima e, sem se importar com o sujeito, começa a analisar o carango, dizendo coisas do tipo “deve ser muito potente”, “adoro arrancar cantando rodas”; em resumo, trocava-se o serumano pelo objeto – um prenúncio do que hoje é absolutamente normal. Como agentes deste processo -completa Juremir - o carro e a televisão “tem agora a cumplicidade do computador, dos games, dos celulares, dos tabletes e de muitos gadgets sacralizados pelo poder de aliviar as pessoas do vazio humano cada vez mais evidente e produtor de doenças”. É como se o mundo houvesse se tornado um quadro de Edward Hopper:


O atentado contra o avião da Germanwings é a prova mais recente disto. Um homem, aparentemente normal, acima de qualquer suspeita, filho de um gerente de banco e de uma professora de piano, morador de um bairro de classe média alta, tido como uma pessoa boa pelos vizinhos, de repente, não mais do que de repente, mata 150 pessoas com uma cajadada só. Sua ex-namorada, em relato à polícia, disse que se separara de Andreas pois ele se comportava de uma maneira estranha, disse que ele era depressivo, que precisava de muito carinho na vida privada e que prometera a ela que um dia se tornaria conhecido no mundo todo. Pasmem, ó leitores, Andreas Lubitz protagonizou uma chacina em nome daqueles tão sonhados 15 minutos de fama. Abaixo a sociedade do espetáculo!

Um comentário:

  1. "As Artes Marciais Mistas (MMA/UFC) disciplinam a violência, o futebol continua a funcionar como guerra simbólica entre as nações, a música de consumo fácil dá leveza à existência, os reality shows sepultam o peso da dramatização excessiva, complicada, pretensiosa e arrogante, as telenovelas embalam os dias úteis tornados inúteis pelo tédio. A máxima deste novo mundo, dividido entre celebridades e anônimos, ídolos e fãs, visíveis e invisíveis, esse universo mediado por telas, é cinicamente trivial: se funciona, qual o problema?" (Juremir Machado da Silva).

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