quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ernest Hemingway

A obra “O Velho e o Mar” conta a história de um pescador que a 84 dias não apanhava nenhum peixe grande. No 85° dia, porém, fisgou um. E esse era tão grande que a luta, propriamente dita, se estendeu mais do que o esperado: “Já estava escuro, pois em setembro a noite cai mais depressa, logo a seguir ao pôr do sol. Continuava encostado à madeira da proa e descansava tanto quanto lhe era possível. As primeiras estrelas mostravam-se no céu. Não sabia bem os nomes das estrelas, mas as conhecia e sabia que dentro de pouco tempo apareceriam todas, e teria o conforto da companhia daquelas amigas tão distantes.
- O peixe também é meu amigo – disse em voz alta. – Nunca vi nem ouvi falar de um peixe desse tamanho. Mas tenho de matá-lo. É bom saber que não tenho de tentar matar as estrelas.
‘Imagine o que seria se um homem tivesse de tentar matar a lua todos os dias’, pensou o velho. ‘A lua corre depressa. Mas imagine só se um homem tivesse de matar o sol. Nascemos com sorte’.
Depois teve pena do enorme peixe que não tinha nada para comer, mas a sua determinação de matá-lo jamais arrefeceu, mesmo naquele momento de compaixão. ‘Quantas pessoas ele irá alimentar? Mas serão merecedoras de um peixe assim? Não, claro que não. Ninguém merece comê-lo, tão grande a sua dignidade e tão belo o seu modo de agir’.
‘Não compreendo estas coisas’” (p. 68). O pescador não compreendia, de todo, as circunstâncias de sua existência, no entanto, intuitivamente, sabia que precisava matar o peixe. E o fez. Só que, depois de matá-lo, sentiu necessidade de compreender com mais profundidade o porquê disso. E, assim, dentro da relação de forças da cadeia alimentar, sua vida se justificava e construía, por etapas: “[...] tudo mata tudo de uma maneira ou de outra. Pescar mata-me tal como me faz viver” (p.94).

7 comentários:

  1. Hemingway buscava uma prosa calcada na linguagem jornalística (ele começou a vida como repórter), sem embelezamentos, econômica e contundente, quase descritiva, baseada em verbos e substantivos e não em adjetivos, ou no que considerava excessos emotivos.

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  2. Hemingway é um grande escritor que pode ser conferido no cinema no maravilhoso filme de Woody Allen, "Meia Noite em Paris", onde outros grandes escritores, artistas visuais, músicos, cineastas aparecem em meio a um cenário de efervescência cultural francesa. Um pouco truculento e insensato sua obra parece casar com sua fala forte de literatura predominante. Excelente pedida!!

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    1. A obra de Hemingway se adapta muito bem ao cinema, ou às artes dramáticas e visuais. Foi com essa impressão que fiquei ao ler "O Velho e o Mar" - com a impressão de que assistia a uma novela. Essa capacidade se confirmou em março de 2000, quando uma adaptação deste texto para desenho animado, toda desenhada à mão pelo artista russo Alexander Petrov, ganhou o Oscar de melhor animação.

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  3. Uma das passagens mais bela do livro "O velho é o mar" é quando o velho pescador lembra da ocasião em que pescara um casal de espadartes. O peixe macho deixa sempre que a fêmea se alimente primeiro, e de fato assim fora: a fêmea mordeu a isca e, sentindo-se presa, encheu-se de medo, lancando-se numa luta selvagem e desesperada que depressa a cansou. Durante todo esse tempo o macho ficou ao lado dela, atravessando a linha e circundando-lhe em volta à tona da água. Andara tão perto, que o velho chegara a ter medo que ele cortasse a linha com a cauda tão aguçada e quase tão grande como uma foice grande. (...)Depois, quando o velho estava limpando as linhas e preparando o arpão, deu um grande salto no ar, mesmo ao lado do barco, para ver onde estava a fêmea, e voltou a mergulhar nas profundezas, com as asas brancas, as barbatanas peitorais, completamente abertas e ficou imóvel nessa posição.

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    1. Esta bela passagem também me chamou a atenção quando fiz a leitura da obra. E são justamente estes belos trechos que engrandecem o livro; Hemingway, ao longo de sua narrativa, descreve a luta do pescador contra o grande peixe, mas não é só isso, em algumas oportunidades ele conta os truques, fala da sabedoria que existe por detrás da vida de um homem do mar, e o faz sempre com muita propriedade, sempre com muita delicadeza. São estes momentos, estas belas passagens que dão consistência à história.

      Beijos, Ana Pequeno.

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  4. Olá Diego, tudo bem?

    Uma visita rápida (por enquanto) apenas para parabenizá-lo pelo Blog !!

    Apareço logo menos ... pra ler e comentar um pouco sobre os textos ...

    PS: alías, estou relendo "O Velho e Mar" e releituras sempre trazem novas idéias, novas percepções ... quando concluí-la, retorno a esta postagem !

    Beijos e Carpe Diem !

    Alessandra (SP - ale_cri_m)

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  5. Juremir Machado da Silva também lê Hemingway. Veja a crônica que ele escreveu para homenageá-lo:

    UM HOMEM PERDIDO

    No próximo dia 2 de julho, o mundo lembrará o suicídio do escritor americano Ernest Hemingway, acontecido há 50 anos, em Idaho, nos Estados Unidos, com um tiro de fuzil de caça. Um leitor, faz algumas semanas, veio me perguntar por que tenho essa mania de falar de escritores e escrever em datas "redondas" de mortes ou nascimentos. Sei lá. Jornalistas e jornais gostam disso. É só um pretexto para falar de quem gostamos. Passei muitas noites da minha vida lendo Hemingway em apartamentos lúgubres do Bom Fim. Li "Paris É Uma Festa" num quarto que alugávamos na Henrique Dias, em cuja sala ficavam empilhadas cadeiras de roda para alugar. Vez ou outra, embalados pelas leituras dos grandes malditos, enchíamos a cara de vodca e saímos a rodar pelo bairro.
    Tive as emoções de qualquer candidato a escritor: babei ao ler obras-primas como "O Velho e o Mar", "Adeus às Armas", "O Sol Também se Levanta", "Por Quem os Sinos Dobram" e "Do Outro Lado do Rio, Entre as Árvores", curiosamente o livro de Hemingway que mais me marcou, embora eu ainda não saiba a razão. Éramos jovens, discutíamos apaixonadamente o tamanho da frase de Hemingway, sua personalidade, sua paixão por touradas, sua vida de repórter, suas aventuras amorosas, seus casamentos e sua participação na "gerada perdida", uma turma de americanos malucos e geniais que viveu, bebeu, transou e fez farra em Paris, nos endiabrados anos 1920. Claro que pretendíamos imitá-los. Condenávamos o maniqueísmo e as dicotomias redutoras, mas nos dividíamos, como todo mundo, entre os que preferiam Hemingway e os que adoravam Francis Scott Fitzgerald. Eu fazia parte do segundo time. Ele me parecia mais triste.
    E nós achávamos um pouco de melancolia literária algo extremamente charmoso. Hemingway matou-se, como seu pai, por não suportar a degradação do próprio corpo. Estava com hipertensão, diabetes, arteriosclerose, depressão e perda de memória. Tinha 61 anos. Fitzgerald morreu aos 44 anos de idade. Era alcoólatra. Éramos bobos e felizes. Eu queria escrever um novo "Grande Gatsby" e estava disposto a morrer alcoólatra se esse fosse o preço de um livro capaz de me parecer tão perfeito. Durante muitos anos, em Paris, passei quase diariamente diante do edifício onde havia morado Gertrude Stein, o ponto de referência da "geração perdida". Relia os livros. Pensava em Hemingway e em Fitzgerald. Pensava em Zelda, mulher de Francis, que acabou a vida num hospital psiquiátrico. São vidas que terminaram mal depois de anos muito intensos.
    Por que essa paixão por livros? Por que essa obsessão por escritores? É o que me pergunta outro leitor, aproveitando para me sugerir que esqueça essas firulas e me dedique aos nossos problemas cotidianos. Por exemplo, o súbito aumento do preço dos envelopes pardos. Confesso que nada sei sobre esse aumento, se ele de fato aconteceu. Li muito na juventude. Estou amarrado para sempre aos livros de Hemingway e Fitzgerald. Felizmente sou um moderado bebedor de vinho e não tenho a menor intenção de comprar um fuzil de caça. Os maiores riscos que corro têm sempre a mesma origem: reler livros fatais.

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