Em seu célebre ensaio sociológico intitulado 'Tudo que é Sólido Desmancha no Ar', o filósofo Marshall Berman analisa os 'sentidos possíveis da modernidade' a partir de leituras clássicas, como por exemplo, Baudelaire, Karl Marx, Goethe, entre outros, e da leitura de ambientes institucionais, tais como, pequenas
cidades, represas e usinas de força, bulevares parisienses de Haussmann etc. Em
uma de suas passagens o escritor nova-iorquino cita Shakespeare: “Para Lear a verdade nua é aquilo que o homem
é forçado a enfrentar quando perdeu tudo que os outros homens podem tirar-lhe,
exceto a própria vida. Vemos sua família voraz, impelida apenas pela vaidade
cega, rasgar seu véu sentimental. Despido não só de poder político mas de
qualquer vestígio de dignidade humana, ele é arremessado porta afora, no
meio da noite, sob uma tempestade torrencial e aterradora. A isso, afinal, diz
ele, é conduzida uma vida humana: o pobre e solitário abandonado no frio,
enquanto os brutos e sórdidos desfrutam o calor que o poder pode proporcionar.
Tal conhecimento parece demasiado para nós: ‘A natureza humana não pode suportar/
A aflição nem o medo.’ Porém, Lear não se verga às rajadas da tormenta nem foge
delas; em vez disso, expõe-se à inteira fúria da tempestade, olha-a de frente e
se afirma contra ela, ao passo que é arremessado e vergastado. Enquanto vaga na
companhia do bobo (ato I I I, cena 4), eles encontram Edgar, desprezado como um
mendigo louco, completamente nu, aparentemente ainda mais desventurado do que
ele. ‘Será o homem nada mais que isso?’ – pergunta Lear. ‘Tu és a própria
coisa: o homem desacomodado... ‘Então, no clímax da peça, ele rasga seu manto
real – ‘Fora, fora, seus trastes imprestáveis’ – e se junta ao ‘pobre Kente’ em
autêntica nudez. Esse gesto, que Lear acredita tê-lo lançado no patamar mais
baixo da existência – ‘um pobre, descalço e desgraçado animal – vem a ser,
ironicamente, o primeiro passo na direção da humanidade plena, porque, pela
primeira vez, ele reconhece a conexão entre ele mesmo e o outro ser humano.”
(p. 131-132)
Belíssima passagem: "[...] a verdade nua é aquilo que o homem é forçado a enfrentar quando perdeu tudo que os outros homens podem tirar-lhe, exceto a própria vida".
ResponderExcluirNa minha concepção o ser humano é complexo, estando tão focado em adquirir bens materiais que esquece que o respeito, a admiração, a dignidade, o amor tudo isso o dinheiro não compra, aliás, dá a falsa impressão que você tem tudo isso. E discordo de Lear, a única coisa que o homem não pode tirá-lo é o conhecimento.
ResponderExcluirO poder e os bens materiais podem ser adquiridos por herança, ao passo que o conhecimento e a humanidade não.
ExcluirPenso que um poema vale mais do que um Rolls-Royce.
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