Desde de o princípio da existência humana que
as comunidades parecem ter sido edificadas em torno dos indivíduos normais,
excluindo ou negligenciando aqueles que se afastam do padrão. A escritora
Regina Benitez, vencedora do I Concurso Josué Guimarães de Contos,
realizado em 1988, foge à regra. Em seu texto, intitulado ‘Espelho’, ela descreve um personagem
anormal que, em função de sua síndrome psicológica, não consegue desenvolver
uma identidade própria, o que o leva a imitar os outros: “Tudo tão idêntico não podia continuar.
Pensei em mudar de casa, de cidade, de país, mas sabia, ah! como sabia, que em
qualquer lugar para onde eu fosse, virando uma rua, entrando num teatro, saindo
de uma loja, lá estaria ela, a mesma roupa, os mesmos gestos, a mesma forma de
olhar, as mesmas unhas de forma quadrada com esmalte cintilando em prata. Por
certo ela apreciaria escritores como Truman Capote, Norman Mailer, Scott
Fitzgerald. Seu ator preferido seria Robert Redford, amaria gatos, violetas e
romãs. E ouviria Chopin, em tardes de chuva e Jazz, em geral, nas noites de
inverno. Era horrível pensar que ela ia sempre optar pela solidão, acariciando
neuroses vagamente presumíveis, tendo a ‘Rosa Púrpura do Cairo’ e ‘O Grande
Gatsby’ sempre à mão para colocar no vídeo-cassete, nas horas em que precisava
sonhar. E o mais terrível é que aos poucos, ela, a outra, me conhecia tão bem,
que conseguia prever com alguma antecedência as minhas decisões, adivinhando as
direções todas.
A senhora não acabou
de passar por aqui?, indagava o rapaz da banca de revistas. Mas faz meia hora
que lhe vendi o camarão, afirmava o homem da peixaria. Era sempre ela me
antecedendo.
Achei que era inútil
continuar naquela vida. Apesar de detestar armas, comprei o revólver e as
balas. Eu precisava morrer. Decidi. Acho mesmo que tudo isto é uma forma de
loucura, alguma neurose antiga que brotou desta forma. Isto tudo não é
possível, eu me explicava.
Uma a uma coloquei
as cápsulas no revólver, embora eu soubesse que apenas uma seria suficiente.
Foi então que ouvi o estampido na casa em frente.
Há uma mulher morta
aqui!, gritava alguém, cheio de angústia.
Fiquei horas olhando
aquela agitação que se formou e aos poucos me senti estranhamente livre e
feliz. Era novamente a dona de minhas direções.
Lentamente apanhei
‘O Grande Gatsby’ e liguei o vídeo-cassete. Era um daqueles momentos em que eu
desejava sonhar.”
[BENITEZ, Regina. Espelho. In: Concurso
Nacional de Contos Josué Guimarães. Editora UPF, 1996. Páginas 12-13].
Acho inteligente quando o autor consegue sugerir livros, filmes e coisas do gênero na narrativa. Adoro Scott Fitzgerald!
ResponderExcluirO que é ser normal? Para muitos é vestir-se de acordo com a moda, adotar atitudes de alguns ídolos, mas será que é isso mesmo? Para mim, ser normal é cada pessoa ser ela mesma em qualquer situação sempre respeitando a opinião da outra pessoa.
ResponderExcluirPenso que ser normal é estar de acordo com tudo o que acontece, de bom e de ruim. É estar de acordo com a corrupção, com a violência urbana, com a imoralidade e, por outro lado, é estar de acordo com os heróis olímpicos, com a possibilidade do desenvolvimento sustentável e coisas do tipo. Ser normal, portanto, é aceitar a democracia, é ser bem comportado, é não ser rebelde. A anormalidade seria o oposto.
ExcluirNo fundo, o importante é ser o que se é, independentemente do rótulo.
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