quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Literatura Premiada

Desde de o princípio da existência humana que as comunidades parecem ter sido edificadas em torno dos indivíduos normais, excluindo ou negligenciando aqueles que se afastam do padrão. A escritora Regina Benitez, vencedora do I Concurso Josué Guimarães de Contos, realizado em 1988, foge à regra. Em seu texto, intitulado ‘Espelho’, ela descreve um personagem anormal que, em função de sua síndrome psicológica, não consegue desenvolver uma identidade própria, o que o leva a imitar os outros: “Tudo tão idêntico não podia continuar. Pensei em mudar de casa, de cidade, de país, mas sabia, ah! como sabia, que em qualquer lugar para onde eu fosse, virando uma rua, entrando num teatro, saindo de uma loja, lá estaria ela, a mesma roupa, os mesmos gestos, a mesma forma de olhar, as mesmas unhas de forma quadrada com esmalte cintilando em prata. Por certo ela apreciaria escritores como Truman Capote, Norman Mailer, Scott Fitzgerald. Seu ator preferido seria Robert Redford, amaria gatos, violetas e romãs. E ouviria Chopin, em tardes de chuva e Jazz, em geral, nas noites de inverno. Era horrível pensar que ela ia sempre optar pela solidão, acariciando neuroses vagamente presumíveis, tendo a ‘Rosa Púrpura do Cairo’ e ‘O Grande Gatsby’ sempre à mão para colocar no vídeo-cassete, nas horas em que precisava sonhar. E o mais terrível é que aos poucos, ela, a outra, me conhecia tão bem, que conseguia prever com alguma antecedência as minhas decisões, adivinhando as direções todas.
A senhora não acabou de passar por aqui?, indagava o rapaz da banca de revistas. Mas faz meia hora que lhe vendi o camarão, afirmava o homem da peixaria. Era sempre ela me antecedendo.
Achei que era inútil continuar naquela vida. Apesar de detestar armas, comprei o revólver e as balas. Eu precisava morrer. Decidi. Acho mesmo que tudo isto é uma forma de loucura, alguma neurose antiga que brotou desta forma. Isto tudo não é possível, eu me explicava.
Uma a uma coloquei as cápsulas no revólver, embora eu soubesse que apenas uma seria suficiente. Foi então que ouvi o estampido na casa em frente.
Há uma mulher morta aqui!, gritava alguém, cheio de angústia.
Fiquei horas olhando aquela agitação que se formou e aos poucos me senti estranhamente livre e feliz. Era novamente a dona de minhas direções.
Lentamente apanhei ‘O Grande Gatsby’ e liguei o vídeo-cassete. Era um daqueles momentos em que eu desejava sonhar.”

[BENITEZ, Regina. Espelho. In: Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães. Editora UPF, 1996. Páginas 12-13].

4 comentários:

  1. Acho inteligente quando o autor consegue sugerir livros, filmes e coisas do gênero na narrativa. Adoro Scott Fitzgerald!

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  2. O que é ser normal? Para muitos é vestir-se de acordo com a moda, adotar atitudes de alguns ídolos, mas será que é isso mesmo? Para mim, ser normal é cada pessoa ser ela mesma em qualquer situação sempre respeitando a opinião da outra pessoa.

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    1. Penso que ser normal é estar de acordo com tudo o que acontece, de bom e de ruim. É estar de acordo com a corrupção, com a violência urbana, com a imoralidade e, por outro lado, é estar de acordo com os heróis olímpicos, com a possibilidade do desenvolvimento sustentável e coisas do tipo. Ser normal, portanto, é aceitar a democracia, é ser bem comportado, é não ser rebelde. A anormalidade seria o oposto.

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  3. No fundo, o importante é ser o que se é, independentemente do rótulo.

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