sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fundamentos do Escritor

Ao iniciar a leitura de Menino de Engenho, obra do paraibano José Lins do Rego, me surpreendi com uma passagem que revela a vocação natural do escritor.
“Eu tinha quatro anos no dia em que minha mãe morreu” (p. 3). Ela fora assassinada pelo pai de José, com um tiro, durante a madrugada. Em função do barulho do estampido, logo apareceram outras pessoas: “A gente toda que estava ali, olhava para o quadro como se estivesse em um espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força” (p. 3). “À tarde o criado leu para a gente da cozinha os jornais com os retratos grandes de minha mãe e de meu pai. Ouvi aquilo como se fosse uma história de Trancoso. Parecia-me tão longe, já, os fatos da madrugada, que aquela narrativa me interessava como se não fossem os meus pais os protagonistas” (p. 4).
Entretanto, quando não existe a vocação, o que o sujeito deve fazer para desenvolver este talento? Ou, de outra forma, é possível desenvolver-se neste sentido? Os mais religiosos diriam que o dom é uma herança de Deus e que, portanto, não poderia ser ensinado. Eu, ao contrário, penso que os fundamentos do escritor são tangíveis e assimiláveis. A crônica abaixo explica o meu pensamento:
“A primeira matéria pela qual me interessei foi Artes, que, na escola, chamavam de Educação Artística. Era diferente das outras disciplinas porque, nesta, não eram feitas provas, assim, o aluno podia, livremente, desenhar o que sua imaginação permitisse.
Eu desenhava e pintava à vontade. Pesquisava sobre a vida dos grandes artistas, analisava as telas e, desta investigação, colhia material para criar a minha própria arte, se é que isso fosse possível. A professora gostava muito de mim. Certa vez recebi um elogio dela: ‘Que lindo, Pedro!’. Isso mexeu comigo, não tanto pelas palavras, mas, sobretudo, pelo olhar da professora, que brilhava. Depois desse dia passei a me dedicar com mais afinco aos desenhos.
Matemática foi a minha segunda paixão escolar. A professora Roberta costumava propor desafios à turma. Primeiro ela explicava a matéria, sempre com muita objetividade e clareza, depois ela nos entregava uma folha de exercícios. Mas não eram quaisquer exercícios, eram problemas que realmente desafiavam a lógica dos alunos. Ficávamos uma, duas horas ocupados em resolvê-los. Quando não conseguíamos encontrar a resposta, íamos até a mesa dela e pedíamos explicação. Matematicamente, ela simplificava o cálculo, até chegar ao resultado exato. Isso era fantástico!
Por fim, veio a Literatura. Me apaixonei por ela nos últimos anos escolares, já na adolescência. A professora, linda que só, nos pedia que escolhêssemos um livro. Meus colegas geralmente escolhiam o que tivesse menas páginas. Tínhamos um mês para ler e resumir a obra, apontando os personagens, o cenário, o porquê do título etc. Em meu primeiro fichamento, ganhei dez, e a admiração da bela professora... Noutra oportunidade ela nos pediu que escrevêssemos um texto, contando uma história qualquer. Foi neste mesmo dia que recebi o elogio definitivo. Depois de ler o meu conto, a professora, com ar apaixonado, disse:
- Pedro, porque você não se torna escritor?
Eu sorri envergonhado.
Assim me tornei escritor. Devido à minha paixão pela Arte, desenvolvi a imaginação; depois, com a Matemática, desenvolvi a lógica; a Literatura, por sua vez, me emprestou o seu romantismo. Faltava a crítica, que eu encontraria na universidade com o estudo das ciências sociais”.

[REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Editora José Olympio. 44° edição. p.3-4].

4 comentários:

  1. “Minha ambição é dizer em dez frases o que outro qualquer diz num livro” (Frederich Nietzsche).

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  2. Numa das cartas dirigidas ao jovem Kappus, Rainer Maria Rilke diz: “[...] escrever só por absoluta necessidade, evitar temas sentimentais e formas comuns, escolher as sugestões oferecidas pelo ambiente, a imaginação e a memória, não dar importância aos críticos, não ler tratados de estilo”.

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  3. Boa noite, querido Diego.
    Concordo com você quando diz que os fundamentos do escritor podem ser tangíveis e assimilados, pois o ser humano é capaz de muita coisa, mas para isso precisa de dedicação e determinação, não desistindo no primeiro obstáculo que aparecer.

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    1. Bom dia, Aninha.

      Penso que o escritor precisa, antes de tudo, de um Projeto. Do que adianta possuir inspiração, do que adianta possuir talento, sem uma finalidade específica?

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