Ao iniciar a leitura de Menino
de Engenho, obra do paraibano José Lins do Rego, me surpreendi com uma
passagem que revela a vocação natural do escritor.
“Eu tinha quatro
anos no dia em que minha mãe morreu” (p. 3). Ela fora assassinada pelo pai de José, com um tiro,
durante a madrugada. Em função do barulho do estampido, logo apareceram outras
pessoas: “A gente toda que estava ali, olhava para o quadro como se estivesse em
um espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri
para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força” (p. 3). “À
tarde o criado leu para a gente da cozinha os jornais com os retratos grandes
de minha mãe e de meu pai. Ouvi aquilo como se fosse uma história de Trancoso.
Parecia-me tão longe, já, os fatos da madrugada, que aquela narrativa me
interessava como se não fossem os meus pais os protagonistas” (p. 4).
Entretanto, quando não existe a vocação, o que
o sujeito deve fazer para desenvolver este talento? Ou, de outra forma, é
possível desenvolver-se neste sentido? Os mais religiosos diriam que o dom é uma herança de Deus e que, portanto,
não poderia ser ensinado. Eu, ao contrário, penso que os fundamentos
do escritor são tangíveis
e assimiláveis. A crônica abaixo explica o meu pensamento:
“A primeira matéria
pela qual me interessei foi Artes, que, na escola, chamavam de Educação
Artística. Era diferente das outras disciplinas porque, nesta, não eram feitas
provas, assim, o aluno podia, livremente, desenhar o que sua imaginação
permitisse.
Eu desenhava e
pintava à vontade. Pesquisava sobre a vida dos grandes artistas, analisava as
telas e, desta investigação, colhia material para criar a minha própria arte,
se é que isso fosse possível. A professora gostava muito de mim. Certa vez
recebi um elogio dela: ‘Que lindo, Pedro!’. Isso mexeu comigo, não tanto pelas
palavras, mas, sobretudo, pelo olhar da professora, que brilhava. Depois desse
dia passei a me dedicar com mais afinco aos desenhos.
Matemática foi a
minha segunda paixão escolar. A professora Roberta costumava propor desafios à
turma. Primeiro ela explicava a matéria, sempre com muita objetividade e
clareza, depois ela nos entregava uma folha de exercícios. Mas não eram
quaisquer exercícios, eram problemas que realmente desafiavam a lógica dos
alunos. Ficávamos uma, duas horas ocupados em resolvê-los. Quando não
conseguíamos encontrar a resposta, íamos até a mesa dela e pedíamos explicação.
Matematicamente, ela simplificava o cálculo, até chegar ao resultado exato.
Isso era fantástico!
Por fim, veio a
Literatura. Me apaixonei por ela nos últimos anos escolares, já na
adolescência. A professora, linda que só, nos pedia que escolhêssemos um livro.
Meus colegas geralmente escolhiam o que tivesse menas páginas. Tínhamos um mês
para ler e resumir a obra, apontando os personagens, o cenário, o porquê do
título etc. Em meu primeiro fichamento, ganhei dez, e a admiração da bela
professora... Noutra oportunidade ela nos pediu que escrevêssemos um texto,
contando uma história qualquer. Foi neste mesmo dia que recebi o elogio
definitivo. Depois de ler o meu conto, a professora, com ar apaixonado, disse:
- Pedro, porque você
não se torna escritor?
Eu sorri
envergonhado.
Assim me tornei
escritor. Devido à minha paixão pela Arte, desenvolvi a imaginação; depois, com
a Matemática, desenvolvi a lógica; a Literatura, por sua vez, me emprestou o
seu romantismo. Faltava a crítica, que eu encontraria na universidade com o
estudo das ciências sociais”.
[REGO, José Lins do. Menino
de Engenho. Editora José Olympio. 44° edição. p.3-4].
“Minha ambição é dizer em dez frases o que outro qualquer diz num livro” (Frederich Nietzsche).
ResponderExcluirNuma das cartas dirigidas ao jovem Kappus, Rainer Maria Rilke diz: “[...] escrever só por absoluta necessidade, evitar temas sentimentais e formas comuns, escolher as sugestões oferecidas pelo ambiente, a imaginação e a memória, não dar importância aos críticos, não ler tratados de estilo”.
ResponderExcluirBoa noite, querido Diego.
ResponderExcluirConcordo com você quando diz que os fundamentos do escritor podem ser tangíveis e assimilados, pois o ser humano é capaz de muita coisa, mas para isso precisa de dedicação e determinação, não desistindo no primeiro obstáculo que aparecer.
Bom dia, Aninha.
ExcluirPenso que o escritor precisa, antes de tudo, de um Projeto. Do que adianta possuir inspiração, do que adianta possuir talento, sem uma finalidade específica?