quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Interpretações da Sociedade

Em postagens anteriores discorri sobre a Luta de Classes, concebida por Marx e Engels, e sobre a Teoria dos Extremos, concebida pelo Papa Francisco. A título de recordação, a primeira aborda a sociedade a partir do econômico: na antiguidade, a luta entre escravos e reis; no feudalismo, a luta entre servos e senhores; atualmente a luta entre assalariados e patrões, ou seja, há, desde sempre, uma organização social cujo princípio não é a religião, a arte ou o Estado político, antes disso, é o trabalho, os frutos do trabalho, que, ironicamente, são colhidos por aqueles que não os plantaram. A segunda, a Teoria dos Extremos, possui um viés mais sociológico. Também identifica uma disputa pelas melhores condições de vida, sobretudo materiais, entretanto, não se restringe à questão trabalhista; por estar impregnada pelo ponto de vista bíblico, a Teoria do Papa Francisco reivindica “um ambiente mais humano”, enfim, uma reforma ao invés de uma revolução. 
Uma terceira linha de pensamento, inédita neste blog, lhes será apresentada agora. É a linha dostoievskiana, mais uma opção para que o leitor possa, a partir de sua escolha e visão, interpretar a sociedade: “Em resumo: se o senhor se recorda, havia lá uma certa alusão ao fato de existirem indivíduos que teriam o direito de cometer toda espécie de atos desonestos e de crimes, para os quais a lei não existiria [...]. Por exemplo: a meu ver, se um, dez ou cem homens se atravessassem no caminho de Kepler ou Newton, eles teriam o direito e até o dever... de eliminar esses dez ou esses cem homens a fim de que as suas descobertas chegassem ao conhecimento de toda humanidade. Lembro-me também de ter sugerido que todos os legisladores e fundadores da humanidade, começando pelos mais antigos e passando por Licurgo, Sólon, Maomé, Napoleão etc . etc., todos, desde o primeiro até o último, tinham sido criminosos, quando menos porque, ao promulgarem leis novas, aboliam as antigas, consideradas sagradas pela sociedade, e para isso certamente não se teriam detido diante do sangue. Também é significativo que a maior parte desses gênios da humanidade fossem uns sanguinários particularmente ferozes. No que diz respeito à distinção entre homens vulgares e extraordinários, minha ideia consistia  concretamente  em dizer que os indivíduos se dividem, segundo a lei da natureza, em duas categorias: a inferior – a dos vulgares – que unicamente é proveitosa para a procriação e a perpetuação da espécie, e a dos indivíduos que criam ou podem dizer em sua época uma palavra nova. A primeira é formada por indivíduos conservadores por natureza, disciplinados, que vivem na obediência e gostam de viver nela, e a meu ver tem a obrigação de ser obedientes, por ser esse o seu destino e não haver nisso, para eles, nada de humilhante. A segunda categoria é composta por aqueles que infringem as leis, os destrutores e os propensos a sê-lo, de acordo com suas faculdades. Os crimes destes são, naturalmente, relativos, e muito diferentes. Esses homens trabalham, por diferentes métodos, pela destruição do presente em nome de qualquer coisa de melhor no futuro. Mas se precisarem, para bem da sua ideia, saltar ainda que seja por cima de um cadáver, então eles, no seu íntimo, na sua consciência, podem, em minha opinião, conceder a si próprios a autorização para atravessar o sangue, atendendo unicamente ao seu objetivo. É só neste sentido que eu falo do seu direito ao sangue. Embora, afinal de contas, não haja nenhuma razão para se assustar. Quase nunca a massa lhes reconhece esse direito e até os castiga e os manda enforcar, cumprindo assim, com absoluta justiça, o seu destino conservador, o que não impede que, nas gerações seguintes, essa mesma massa erga os castigados sobre pedestais e se incline perante eles” (p.176-179).

[DOSTOIEVSKI, Fiódor. In: Crime e Castigo. Editora Ouro, Rio de Janeiro, 1960].

Um comentário:

  1. É importante que se diga: para Marx e Engels as trasnformações histórico-sociais e as revoluções não resultam da ação de grandes personalidades, mas sim da participação das massas trabalhadoras.

    Faça a sua interpretação!

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