A obra Crime e Castigo,
publicada em 1866, é considerada
por muitos como o “romance dos romances”. Tentando entender o porquê disto, me
utilizarei de uma versão sintetizada do texto (“Edições de Ouro”, Rio de
Janeiro, n° 1727), com 271 páginas, muito bem traduzida por Carlos Heitor Cony.
O estilo
da obra não chega a ser original. Dostoievski escreve “pensando em uma peça de
teatro” e, assim, o literato russo “vai tramando as cenas”, “vai misturando as
histórias”. Algo semelhante já havia sido feito por Shakespeare, centenas de
anos atrás. Carlos Heitor Cony até faz uma observação a respeito: “Não se pode
esquecer que o autor pagou pesado tributo ao modismo literário de sua época,
quando a influência de uma subliteratura francesa (notadamente a de Eugene Sue)
contaminava os escritores do mundo inteiro. E uma das grandes perguntas da
história da literatura reside justamente nisso: como escritores que imitavam
poderiam ter influído de forma tão profunda um dos maiores escritores da
humanidade?”. O próprio Carlos Heitor dá a resposta: “[...] dentro de uma técnica
obviamente romântica, Dostoievski conseguiu impor o seu gênio dramático, a sua
insatisfeita obstinação em fazer da alma uma espécie de corpo à parte que vive,
sofre e se redime numa permanente tragédia consigo próprio e com o mundo”.
Ou seja,
com conteúdo o escritor russo superou uma técnica pouco original. Mas esta é só
uma parte do debate. Mesmo utilizando-se de uma estrutura literária que já
existia, Dostoievski conseguiu ser criativo, reinventando ou, no mínimo,
revigorando o estilo que ele havia imitado. Em uma das cenas finais de Crime e
Castigo, o autor russo insere “o limite da emoção humana”, não apenas uma, mas
três vezes. Insere a tensão de um estrupo, de um assassinato e de um suicídio,
sem, no entanto, deixá-los acontecer, levando o leitor ao êxtase. Eis o seu
gênio: “Olhava-a com selvagem decisão, com os olhos inflamados.Dúnia
compreendeu que ele antes morreria do que a deixaria – fraca, largou o
revólver.
-
Deixa-me! – disse Dúnia, implorando.
Svidrigailov
estremeceu.
- Então
não me quer?
Dúnia
moveu negativamente a cabeça.
- E...
não poderá? Nunca?
- Nunca!
– murmurou Dúnia.
Houve um
momento de luta na alma de Svidrigailov, enquanto olhava para Dúnia com a
expressão de dor.
- Aqui
tem a chave – tirou-a do bolso esquerdo do casaco. – Pegue-a e saia
imediatamente [...].
Svidrigailov
permaneceu ainda de pé junto da janela durante uns minutos. Viu o revólver que
Dúnia largara ali caído, junto da porta. Era um revólver pequeno, de bolso, de
três tiros, de fabricação antiga. Ainda lhe restava uma bala. Refleti um
instante, guardou a arma no bolso, pegou no chapéu e saiu.
Passou no
quarto de Sônia, deu-lhe três mil rublos e disse que ia pra América [...]” (p.
254-255).
Dostoiévski necessitava de dinheiro e sempre fora apressado em concluir suas obras, por isso disse não conseguir realizar seu pleno poder literário. Mais tarde, por saber bem o que as seguintes palavras significavam, disse: "A pobreza e a miséria formam o artista." Embora a frase pareça abrangente e generalizada, Fiódor costumou desviar-se do estilo de escritores que descreviam o círculo da família moldados na tradição e nas "belas formas", e engendrou no caos familiar dos que humilhavam e insultavam.
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