sábado, 5 de outubro de 2013

Sobre a Técnica de Dostoievski

A obra Crime e Castigo, 
publicada em 1866, é considerada por muitos como o “romance dos romances”. Tentando entender o porquê disto, me utilizarei de uma versão sintetizada do texto (“Edições de Ouro”, Rio de Janeiro, n° 1727), com 271 páginas, muito bem traduzida por Carlos Heitor Cony.
O estilo da obra não chega a ser original. Dostoievski escreve “pensando em uma peça de teatro” e, assim, o literato russo “vai tramando as cenas”, “vai misturando as histórias”. Algo semelhante já havia sido feito por Shakespeare, centenas de anos atrás. Carlos Heitor Cony até faz uma observação a respeito: “Não se pode esquecer que o autor pagou pesado tributo ao modismo literário de sua época, quando a influência de uma subliteratura francesa (notadamente a de Eugene Sue) contaminava os escritores do mundo inteiro. E uma das grandes perguntas da história da literatura reside justamente nisso: como escritores que imitavam poderiam ter influído de forma tão profunda um dos maiores escritores da humanidade?”. O próprio Carlos Heitor dá a resposta: “[...] dentro de uma técnica obviamente romântica, Dostoievski conseguiu impor o seu gênio dramático, a sua insatisfeita obstinação em fazer da alma uma espécie de corpo à parte que vive, sofre e se redime numa permanente tragédia consigo próprio e com o mundo”.
Ou seja, com conteúdo o escritor russo superou uma técnica pouco original. Mas esta é só uma parte do debate. Mesmo utilizando-se de uma estrutura literária que já existia, Dostoievski conseguiu ser criativo, reinventando ou, no mínimo, revigorando o estilo que ele havia imitado. Em uma das cenas finais de Crime e Castigo, o autor russo insere “o limite da emoção humana”, não apenas uma, mas três vezes. Insere a tensão de um estrupo, de um assassinato e de um suicídio, sem, no entanto, deixá-los acontecer, levando o leitor ao êxtase. Eis o seu gênio: “Olhava-a com selvagem decisão, com os olhos inflamados.Dúnia compreendeu que ele antes morreria do que a deixaria – fraca, largou o revólver.
- Deixa-me! – disse Dúnia, implorando.
Svidrigailov estremeceu.
- Então não me quer?
Dúnia moveu negativamente a cabeça.
- E... não poderá? Nunca?
- Nunca! – murmurou Dúnia.
Houve um momento de luta na alma de Svidrigailov, enquanto olhava para Dúnia com a expressão de dor.
- Aqui tem a chave – tirou-a do bolso esquerdo do casaco. – Pegue-a e saia imediatamente [...]. 
Svidrigailov permaneceu ainda de pé junto da janela durante uns minutos. Viu o revólver que Dúnia largara ali caído, junto da porta. Era um revólver pequeno, de bolso, de três tiros, de fabricação antiga. Ainda lhe restava uma bala. Refleti um instante, guardou a arma no bolso, pegou no chapéu e saiu.
Passou no quarto de Sônia, deu-lhe três mil rublos e disse que ia pra América [...]” (p. 254-255).

Um comentário:

  1. Dostoiévski necessitava de dinheiro e sempre fora apressado em concluir suas obras, por isso disse não conseguir realizar seu pleno poder literário. Mais tarde, por saber bem o que as seguintes palavras significavam, disse: "A pobreza e a miséria formam o artista." Embora a frase pareça abrangente e generalizada, Fiódor costumou desviar-se do estilo de escritores que descreviam o círculo da família moldados na tradição e nas "belas formas", e engendrou no caos familiar dos que humilhavam e insultavam.

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