terça-feira, 22 de julho de 2014

Adultério

O adultério é um tema recorrente na Literatura Brasileira. O exemplo mais emblemático talvez seja o romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis – toda a história tem, como plano de fundo, uma “suspeita de traição” que nunca se confirma. É como diz o ditado “o corno é sempre o último a saber”.
Pois este tipo de coisa é feito às ocultas, os amantes, salvo raras exceções, não deixam pistas ou, se deixam, são pouquíssimas. Tanto é que, nos grandes centros urbanos, o serviço do detetive tem-se tornado cada vez mais freqüente. Num caso verídico, relatado numa seção de jornal, a esposa, que desconfiava das constantes histórias inventadas pelo marido, acabou descobrindo que o infeliz a traía com uma boneca inflável. O sujeito, no auge de sua fantasia, levava a “amante” até um motel e, lá, com uma bomba de encher pneus, inflava o brinquedo e consumava o ato.
Nelson Rodrigues possuía uma atração especial pelo tema. Em um de seus contos, intitulado “O Aleijado”, ele apresenta o seu personagem: “Era contra o casamento. E não fazia o menor mistério. Confessava, claramente, que tinha uma espécie de tara.
[...]
Só gosto de mulher casada” (p.62).
Chamava-se Sandoval, nome de malandro. 
“Um dia, ele ia saindo de casa, quando bateu o telefone. Voltou para atender. Uma voz de mulher perguntava:
- Sandoval?
- Ele mesmo.
E a voz:
- Quem fala, aqui, é uma fã.
Sandoval, no momento, não tinha que fazer; gostou da voz e dispôs-se a perder de dez a 15 minutos. 
Inicialmente, a desconhecida quis saber:
- É verdade aquilo que disse?
- O quê?
- Que só gosta de mulher casada? É verdade?
Sandoval riu:
- Mais ou menos.
- Que pena!
- Por quê?
E a anônima suspirando:
- Porque eu sou solteira. Nem tenho namorado, imagine!
Divertido com a petulância da fulana, fez a blague:
- Vamos fazer o seguinte: você se casa e depois aparece.
- Olha que eu me caso mesmo!" (p.62-63).
Tempos depois, tanto que Sandoval já havia se
esquecido, o telefone tocou novamente:
“- Lembra-se de mim?
De momento, não se lembrava, nem aquela voz lhe sugeria qualquer antiga impressão auditiva. Ela deu maiores detalhes: ‘Sou aquele brotinho assim, assim’. 
Acabou exclamando:
- Já sei. Agora me lembro! Como vai você?
E ela:
- Segui seu conselho. Casei-me” (p.64).
Casara-se com um aleijado. E, em função da curiosidade doa amante, explicou o motivo: “Não pensava no marido, não admitia que o marido pudesse converter-se numa ameaça, num perigo ou, simplesmente, num obstáculo. Tanto que, na sua perversidade, escolhera, a dedo, entre muitos, o rapaz que lhe parecera mais cômodo e inofensivo” (p.64).
“[...] Sandoval perturbava-se diante daquela mocinha tão segura de si e com uma predestinação tão firme e irresistível para o pecado. Exclamava, então:
- Mulher é um bicho interessante! Um caso sério!”(p.65).

[RODRIGUES, Nelson. A vida como ela é... In: O Aleijado. Editora Nova Fronteira, RJ, 2012]

Um comentário:

  1. “Era contra o casamento. E não fazia o menor mistério. Confessava, claramente, que tinha uma espécie de tara.
    - Só gosto de mulher casada” (Nelson Rodrigues).

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