terça-feira, 29 de julho de 2014

Alicerces da felicidade pós-moderna

O “conceito de felicidade” da nossa época está muito relacionado ao excesso – excesso de emoções, de bens e serviços, de individualismo. Se há um espaço vazio na prateleira, o sujeito logo trata de preenchê-lo com um enfeite ou qualquer outra coisa; se há um espaço vazio na alma o sujeito logo trata de preenchê-lo, com uma aventura extraconjugal; “não pode haver espaço vazio em lugar nenhum” – diz o sistema.
O consumismo e seus desdobramentos encontram suas bases nos EUA dos anos 1920: “A confiança num crescimento econômico que parecia não ter limites levava a população a consumir cada vez mais. Segundo o jornalista William A. Klingaman, poupar era condenado como algo irremediavelmente impatriótico. Era dever de cada norte-americano comprar o maior número possível de relógios de pulso, enceradeiras, geladeiras, aparelhos de barbear elétricos, bicicletas ergométricas e latas de ervilha” (p.6).
Acho que queremos demais. Não nos basta uma casa boa, com dois quartos, sala, cozinha, garagem, pátio, área de serviço e banheiro; queremos uma casa de dois pisos, com piscina, sala enorme, suítes e garagem para dois carros (pois um carro apenas não nos é suficiente). Não queremos apenas dentes saudáveis, queremos também cabelos brilhantes, olhos claros, corpo escultural e poder. Muito poder, diga-se de passagem: ninguém se contenta com pouco. Não queremos um amigo, queremos um super-herói. Não queremos uma mulher, queremos três. Queremos viajar para Nova York, passar férias na Suíça e conhecer Paris. Não queremos um salário decente, queremos ganhar milhões. Preferimos dormir ao invés de acordar. Mas este sono que dormimos não nos faz bem. Estamos cansados. Já não conseguimos sorrir direito. Já não nos reconhecemos mais como pessoas, somos consumidores agora. Pertencemos a uma civilização específica, caracterizada pela capacidade de dar preço às coisas, inclusive à felicidade.

[BRENER, Jayme. 1929: a crise que mudou o mundo. São Paulo, Ática, 1996]

Um comentário:

  1. "Se está correndo atrás da fortuna, talvez esteja fugindo da felicidade" (Provérbio Iídisch).

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