Suzane von Richthofen foi a protagonista de um crime de
fazer inveja a muitos mestres do cinema-policial. Quem poderia imaginar que uma
moça rica, de 20 aninhos, universitária da PUC-SP e com um rostinho angelical
pudesse ser a mentora de uma história tão macabra?
Pois foi. E na última semana – 12 anos após o assassinato
dos pais – ela reapareceu para uma entrevista de fachada, ao lado de sua
companheira, a sequestradora Sandrão. Com uma serenidade budista, Suzane
respondia às perguntas do entrevistador. Disse amar o irmão, mesmo que ele não
a amasse, disse que desistira da herança e que fazia planos para uma nova vida,
revelando, inclusive, o seu desejo de ser mãe. Foi bonito até. Suzane fala bem,
tem um sorriso bonito, é persuasiva... tanto que eu me convenci. “Ela se curou”,
eu pensei, “os doze anos atrás das grades mudaram a cabeça dessa menina” e fui
dormir, sossegado, acreditando num mundo melhor, na regeneração do serumano.
Três dias depois, porém, um programa de televisão fez um
debate acerca do comportamento de Suzane e das coisas que ela falou. Um
promotor, que participara do julgamento em 2006, disse que a entrevista havia
sido uma encenação teatral e que a fina flor da sociedade paulista –
personagem que ela teria representado durante a conversa – era uma
jogada-estratégica para convencer os juízes que irão julgar, no ano que vem, a
possibilidade do livramento condicional da ré, após decorridos 1/6 da pena. “Se
é isto”, eu pensei, “então estamos diante de uma das maiores manipuladoras de
que se tem notícia”. E para confirmar que não se tratava de uma calúnia, o
promotor apresentou uma prova concreta – uma conta bancária na Suíça, com um
saldo de 30 milhões de euros – dinheiro suficiente para se viver uma vida toda.
De súbito, minha consciência estalou. “Então é por isso que ela dava risada e
parecia não se importar com o lado de fora... com a grana, a moça se mandaria
pra Europa e viveria por lá, de cabeça erguida, pois, de acordo com a lei, já
teria cumprido a pena, isto é, já teria pago pelo crime”.
Desliguei o monitor, em choque. A fina flor da sociedade
paulista, no fundo, era um monstro da pior espécie. Só fui conseguir dormir lá
pelas 3 da madrugada, depois de contar muitos carneirinhos. Quando acordei,
todo suado, sentia muito medo – não da assassina, é claro, mas das Suzanes que,
secretamente, vivem dentro de nós.
É importante frisar: “o crime foi monstruoso, mas a Suzane está presa a 12 anos, está pagando pelo que fez”. Tem gente que comete crime muito pior e não passa nem um dia na cadeia. Os políticos corruptos, por exemplo, desviam bilhões de recursos que seriam destinados à saúde, à educação, à segurança e, com isto, causam graves prejuízos ao presente e ao futuro de nossa sociedade; desviam bilhões e, com isto, são também os responsáveis pela morte da velhinha que não foi atendida por falta de leito, são também os responsáveis pela marginalização de centenas de milhares de jovens que ficaram sem vaga em uma escola decente, são também os responsáveis pelo assalto a mão armada que a polícia despreparada não pode evitar, entre outras coisas. Os políticos corruptos são mais perigosos do que as Suzanes.
ResponderExcluir