sábado, 18 de abril de 2015

O Homem Personificado

Assisti a um documentário magnífico intitulado Sobre como a Arte fez o Mundo I onde se conjecturava sobre a possibilidade de a imaginação humana ter sido o nosso grande diferencial em relação as outras espécies.
Numa expedição arqueológica ao nordeste da Áustria, descobriu-se a primeira imagem esculpida que o homem teria feito de si mesmo, a chamada Vênus de Willendorf; a peça, apesar de intacta, não possuía os braços nem as feições do rosto, por outro lado, possuía os seios e o ventre grandes; tratava-se de uma mulher – constataram os estudiosos – mas o porquê d’ela ter sido feita daquela “maneira irreal” não se sabia. Em outras localidades descobriram-se estátuas semelhantes, mas, a 25 mil anos atrás, uma localidade não tinha contato com a outra; então por que as peças se pareciam? A resposta tem a ver com as características da época. Como houve uma mudança brusca no clima, as famílias, que eram nômades, começaram a sofrer com a falta de alimentos, com isso as possibilidades de perpetuação da espécie tornaram-se escassas e o homem, numa tentativa de se reinventar, imaginou-se fértil, como se fosse uma mulher grávida.


O documentário segue com a sua busca, investiga a civilização egípcia, a civilização grega e observa que também aí os artistas tenderam a distorcer a forma humana, tenderam a subverter a realidade.

Logo me recorreu uma passagem de Mário Quintana: “Desde pequeno, tive tendência para personificar as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: Vem pra dentro, menino, olha o mormaço! Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo. Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia lá pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição” (p.204).

[QUINTANA, Mário. Coisas & Pessoas. In: DOS SANTOS, Joaquim Ferreira (org.). As Cem Melhores Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007]

Um comentário:

  1. “Não desças os degraus do sonho
    Para não despertar os monstros.

    Não subas aos sótãos – onde –
    Os Deuses, por trás de suas máscaras,
    Ocultam o próprio enigma.

    Não desças, não subas: fica.
    O mistério está é na tua vida!"

    (Mário Quintana).

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