domingo, 3 de agosto de 2014

Notas sobre a Crise Argentina

Assisti no telejornal de quinta-feira, dia 31/07/14, à notícia de que a Argentina está sendo vítima de especuladores – bilionários que compraram os títulos da dívida pública portenha a “preço de banana” e que agora querem receber por eles o preço mais alto. Do ponto de vista negocial e democrático, não há nada de errado com isto, afinal “trata-se, por assim dizer [...], do jogo das cadeiras onde é preciso arranjar uma antes que a música pare” (p.152-153); do ponto de vista humano e social, no entanto, é um fracasso histórico.
Um juiz norte-americano impediu que apenas uma parte da dívida fosse quitada; os argentinos desejavam pagar um valor inferior pelos títulos, mas nem todos os credores aceitaram a proposta, o que levou o magistrado a bloquear os valores depositados num banco nova-iorquino. A manobra, democraticamente válida, foi requerida pela minoria especulativa, que tem como estratégia “pressionar até o fim”, com o objetivo de obter o maior lucro possível.
A pergunta é: por que deixar isto acontecer? por que deixar que uma meia-dúzia de calhordas afundem um país inteiro no caos social? por que ninguém intervém? por que a Europa não intervém? por que o Brasil não intervém? por que a ONU não intervém? Está certo que esta situação é o resultado da incompetência dos governantes argentinos, mas o povo não tem culpa! Como bem explicou Keynes, há uma teoria por detrás disto, a teoria do liberalismo econômico, a teoria dos partidos da Direita: “deu-lhe autoridade o fato de poder explicar muitas injustiças sociais e crueldades aparentes como incidentes inevitáveis na marcha do progresso, e de mostrar que a intenção de modificar este estado de coisas tinha, de um modo geral, mais probabilidade de causar dano do que benefício; por fim, dar certa justificativa à liberdade de ação do capitalista individual atraiu-lhe o apoio das forças sociais dominantes agrupadas atrás da autoridade” (p.43-44).
A mesma ideologia que conduziu a humanidade a tragédias globais – à Crise de 1929, à Crise Financeira de 2008, entre outras – agora arrasta os hermanos para o abismo. Além disso, repetem-se as condições históricas que reproduzem o subdesenvolvimento: bilhões de dólares que seriam aplicados na saúde e na educação do povo argentino, agora serão aplicados na compra de mansões, carros de luxo e jóias, de modo a satisfazer os prazeres individuais dos magnatas financeiros. “Os especuladores podem não causar dano quando são apenas borbulhas numa corrente firme de empreendimento; mas a situação torna-se séria quando o empreendimento se converte em borbulha no turbilhão especulativo” (p.155-156).

[KEYNES, John Maynard. Teoria Geral. São Paulo: Fundo de Cultura, 1964]

2 comentários:

  1. "Porque deixar isto acontecer?" Não há resposta. Se os especuladores quisessem, eles poderiam ter aceitado a proposta do governo argentino e ter recebido um valor bem superior ao que havia sido pago na compra dos títulos, mas eles não aceitaram. Na ânsia de obter o maior lucro possível, os especuladores "pressionam até o fim", não lhes interessa as consequências - se faltará o leite para as criancinhas pobres, se o pai de família perderá o emprego, se a dona de casa terá de se prostituir - não importa, os magnatas financeiros não se consideram iguais aos outros.

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  2. "Grandes riquezas não podem ser adquiridas e conservadas sem pecado" (Erasmo de Rotterdam).

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