sábado, 16 de agosto de 2014

Fora do Ar

As novelas vendem o teatro, onde a vida não é mais do que um “faz de conta”; os telejornais vendem o catastrofismo – estupros coletivos, desastres naturais, escândalos de corrupção; os programas de humor vendem a desgraça dos mais pobres; as propagandas vendem a perfeição - empresas multinacionais e bancos que inventam a facilidade, o imediatismo e a alegria de seus consumidores; ainda no mesmo comercial, o Governo cria um mundo onde tudo dá certo, feito de estatísticas, ao seu gosto e conveniência.
As informações não batem, não há lógica, não há sentido, não há coerência, enfim, não sei o que comprar ou, o que é pior, perdi minha opinião. Me sinto como um cabo-de-guerra, sendo puxado de um lado para o outro. Melhor mudar de canal. Um pastor de voz colocada fala daquelas mesmas catástrofes e anuncia o fim dos tempos. E agora?
Desligo o aparelho. Procuro na estante um livro sobre o assunto, de um sociólogo francês. Abro-o e encontro a sentença: “A televisão regida pelo índice de audiência contribui para exercer sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as pressões do mercado” (p.96-97).  É isso: se falar mal dos pobres é lucrativo, então que se fale mal dos pobres; se fofocas sobre a vida dos famosos atraem os telespectadores, então que se noticiem fofocas; se a morte do pai de família dá ibope, então que se mate o pai de família. 
“A televisão convida à dramatização [...] põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importância, a gravidade” (p.25). A Copa é um exemplo disto. De repente, milhões, bilhões de pessoas, dos quatro cantos do mundo, estão vivendo, respirando futebol, e não se fala mais em política e não se fala mais em baixos salários e não se fala mais em educação, como se as coisas acontecessem por partes: será que estamos sendo manipulados?

[BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Editora: Jorge Zahar, RJ, 1997]

Um comentário:

  1. O texto acima também deve créditos ao poema "Anúncios", de José Nunes Pereira.

    Segue uma outra reflexão de Bourdieu à respeito da televisão: "Através da pressão do índice de audiência, o peso da economia se exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão sobre o jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais, mesmo sobre os mais 'puros', e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que problemas de televisão se imponham a eles. E, da mesma maneira, atráves do peso do conjunto do campo jornalístico, ele pesa sobre todos os campos de produção cultural".

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