Escrevi este texto em
abril de 2011; é uma crítica sobre a situação socioeconômica da cidade de
Torres, Rio Grande do Sul. Acredito que muitos municípios brasileiros enfrentam
o mesmo problema, por isso reabro o debate. Originalmente a cônica foi
publicada com o título “Palco de uma Tragédia Social”.
Torres é conhecida por
ser “a mais bela praia gaúcha”, devido ao imenso conjunto de belezas naturais
que possui – rio, mar, dunas, lagoa, morros – e, também, devido às maravilhosas
casas que margeiam sua orla, fazendo de Torres a “Bervely Hills dos pobres”.
Dos pobres! pois aqui a
maioria da população é de baixa renda, os ricos, donos das mansões, são juízes,
jogadores de futebol e empresários bem sucedidos que moram nas regiões mais
prósperas do estado ou no centro do país, não são torrenses legítimos, são
turistas que vem pra cá passar um final de semana – no inverno o bairro dos
magnatas mais parece um deserto, por onde só circulam gatos e cachorros
perdidos. No verão, em
contrapartida, a população chega a triplicar, passando dos 35 mil habituais
para mais de 100 mil habitantes, ou turistas. Logo, como era de se esperar, a
oferta de emprego cresce desproporcionalmente, superando a demanda por vagas. É
possível escolher onde trabalhar; já fui garçom, atendente comercial e
vigilante, no próximo verão pretendo trabalhar como padeiro (para aprender a fazer bolos). É uma
pena que esta situação de pleno-emprego se sustente por tão pouco tempo, se
invertendo no inverno. Durante os três meses do verão – dezembro, janeiro e
fevereiro – o setor privado emprega toda a mão-de-obra disponível, já nos
outros nove meses do ano a taxa de investimento se reduz drasticamente, tanto
que cada vaga é disputada por pelo menos oito candidatos, sendo que o salário
oferecido é o mínimo. Assim, desenvolveu-se em Torres a chamada “cultura do
urso”, que diz “absorva no verão a gordura que irá lhe aquecer no inverno”.
A prefeitura municipal
seria um dos órgãos capazes de reverter a imensa tragédia socioeconômica -
consequência do desemprego - experimentada anualmente pela belíssima praia
gaúcha. Mas, de que modo isto seria possível, se, depois de dez anos, o
prefeito abre um concurso público oferecendo apenas 80 vagas? Seriam 80 vagas
suficientes para absorver dez anos? Obviamente que não. Para absorver os
profissionais que se formam semestralmente seriam necessárias 80 vagas anuais.
Neste caso, supondo que Torres fosse uma criança de dez anos de idade,
faltariam 720 vagas. Os políticos da cidade argumentariam que nenhuma
prefeitura do Brasil seria capaz disto. Eu responderia que nenhuma prefeitura
do Brasil seria capaz de levar tanto tempo para organizar um concurso.
De qualquer maneira o
que mais indigna não são as 80 vagas, mas a forma como elas estão distribuídas.
Não há vagas para vigilante, não há vagas para serviços gerais, não há vagas
para motorista, não há vagas para servente... será que o município não precisa
destes profissionais? Para os professores do ensino fundamental, mais
especificamente de História, Ciências, Geografia e Português são ofertadas
apenas quatro vagas, uma para cada área. Em compensação, há 60 vagas para
professores de educação infantil. Mas, quem cursa a pré-escola não estará, em
poucos anos, cursando o ensino básico e, logo em seguida, o médio? Quer dizer,
parece não existir um critério na forma de distribuição das vagas. Isto é um
indício de fraude. A título de comparação, quando o marido passa a levar o
celular para o banheiro, isto significa, na maioria das vezes, que ele não
deseja que a sua esposa atenda-o.
E não para aí. Também
não há vagas para médico dentista e nem para advogados, sendo que em Torres há
uma universidade que forma a cada seis meses mais de uma dezena desses
profissionais. Isto é, não existe relação entre políticas públicas, mercado de
trabalho e instituições de ensino. Deste modo, a mais bela praia gaúcha vai se
tornando um faroeste, onde a expressão “salve-se quem puder” soa forte como um
eco.
Sem emprego as pessoas
tornam-se marginais; o estudo, que segundo os institutos de pesquisa seria o
responsável pelo aumento da renda e das oportunidades de trabalho, em Torres
não é suficiente nem para pagar o aluguel. Neste caso, se o indivíduo não possui
uma família que o ampare financeiramente, ele se vê diante de três
alternativas: ou se torna usuário de crack, matando assim a humilhação sofrida
pelo desemprego; ou se torna crente, e passa a vender doces no comércio; ou vai
embora daqui. Muitos dos meus amigos foram embora daqui, para cidades como
Criciúma, Caxias do Sul e Porto Alegre, onde, bem ou mal, ainda se consegue um
estágio.
Estaria Torres condenada
ao abandono político?
Um país divido?
ResponderExcluirEstão dizendo por aí que as eleições dividiram o Brasil ao meio – Dilma 52%, Aécio 48% - mas, desde quando fomos um país unido? a não ser na Copa do Mundo, quando a seleção entra em campo? ou no carnaval, para fazer folia? Sempre fomos separados – a história do povo brasileiro sempre foi a história do “empregado contra o chefe”, “do favelado contra o bacana”, “do branco contra o negro”, “do cara que possui uma BMW contra o que possui um carrinho popular”, “do filho de médico contra o filho de professor de escola”. Talvez essa divisão não seja tão nítida para o sujeito comum, talvez as coisas tenham mudado um pouco nos últimos 12 anos, nos governos Lula e Dilma, no entanto, a divisão continua e ainda é abismal: “No Brasil, os 10% mais ricos têm renda média mensal 39 vezes maior que a dos 10% mais pobres” (fonte: Dieese/Contraf – baseado no censo de 2010). E não são apenas os números e as revistas e os sites e a televisão que dizem isto, são também os meus olhos que enxergam. Quem vai à Praia da Guarita, em Torres/RS, e sobe aquele belíssimo morro que enfeita a orla, lá de cima vê um imenso muro separando um condomínio de uma favela.